segunda-feira, 30 de maio de 2011

Ódio no coração



Quando eu pego abuso de uma coisa ou pessoa, sou foda, reconheço.



E com o passar dos anos, meu nível de tolerância com certas coisas e pessoas está cada vez menor, ao contrário do que eu pensava que fosse acontecer porque dizem que a idade traz sabedoria. Pra mim, além da sabedoria (e modéstia, claro), ela trouxe a certeza de que eu não devo perder tempo com situações e pessoas que não têm muito a ver comigo, porque, olha, a vida é curta e passa rápido demais.

Nos últimos meses, tenho convivido com uma criatura, literalmente vinda das Arábias, que anda me enchendo muito o saco. O ser, apesar de mal falar inglês, consegue bisbilhotar, fofocar e assuntar a vida alheia com perfeição. Nada escapa aos olhos (e ouvidos) dessa pessoa, mesmo que ela entenda tudo errado.



Ela é mãe de um colega da minha filha lá da escola de estrangeiros, cujo bairro, se eu já não gostava há alguns meses, nesta altura estou odiando, mas falo sobre isso depois. Pois bem, não tem como não dar de cara com a pessoa porque mesmo eu chegando em cima da hora pra pegar Mariana e fazer de conta que mando 500 e-mails pelo celular, a pessoa dá sempre um jeito de chegar junto e falar, falar, falar...

A última da espertalhona: chegou pra mim, toda pimpona, dizendo que tinha ido na prefeitura da cidade dela pedir seguro desemprego. Nisso, ela, que já tinha me dado umas quinze cutucadas -- sim, ela tem a mania, que eu adoro, de falar pegando, cutucando, balançando a gente --, disse que eu deveria fazer o mesmo porque eu tinha direito e tal, com a convicção que teria a rainha Beatrix, ela mesma, na sua Excelsa pessoa.

Eu, tomada da mais pura emoção, falei com Paul sobre o ocorrido. Ele, todo trabalhado no ceticismo holandês, foi procurar na internet, apenas para confirmar, as regras sobre quem pode receber seguro desemprego e tal. Daí que morreu o assunto com a criatura. Mas, não satisfeita, ela manda por Paul uns folhetos de imposto de renda (Paul leva Mariana na escola de manhã, na maioria dos dias) para que ele me entregasse. Ficamos sem entender a razão desses papéis e, no dia subsequente, perguntei a ela a que se referiam os mesmos. Ela, com a cara de quem me acha uma idiota, disse que os papéis eram sobre o seguro desemprego.

Nisso, não pude evitar o encaralhamento. Falei que aqueles papéis nada tinham a ver com o seguro e aproveitei para acabar com todos os sonhos doirados da pessoa, que, vejam bem, acreditava que poderia viver às custas do governo A VIDA TODA! Sim, né lindo?

Falei, dentre outras coisas, que a renda do marido deveria ser declarada e caso ele ganhasse o suficiente, ela não teria direito. Depois, vai que ela tivesse, o marido teria uma fatia bem maior do salário abocanhado pelo imposto de renda. E a cereja do bolo: sim, ela poderia até conseguir, mas o governo, depois de um tempo, começaria a indicar trabalhos para ela, porque obviamente ela teria de deixar os seus dados numa agência de empregos, e em algum momento, ela deveria aceitar o que lhe seria oferecido ou o benefício seria cortado. E pra arrematar, falei que não interessava se no país dela ela fez faculdade. O que importa é que ela não fala holandês (nem ofendi dizendo que o inglês dela é péssimo -- do tipo que troca sell por buy...) e o que arrumariam para ela seria subemprego nessas condições. Na lata. Claro, porque a pessoa acha que os outros são imbecis. Ela e o marido não falam uma palavra de holandês, não sabem como as coisas funcionam (e nem procuram saber) e acreditam que são safos e podem se dar bem na malandragem. No fim, ela olhou para mim e disse, na cara dura, que achava que teria o seguro desemprego pra VIDA TODA só pelo fato de estar aqui. Quase me babei de rir, mas consegui me controlar. Peraí, uma pessoa que tem acesso à internet não lê que todos os países europeus estão afunilando cada vez mais para a entrada de imigrantes e diminuindo as verbas gastas com os mesmos? Menas, né? Deu vontade de fazer uma pergunta singela, porém objetiva à criatura: E no cu não vai nada? Faça-me o favor!

E o que me deixa mais puta nisso tudo é que muita gente fez esse tipo de trambique e viveu às custas do governo por anos -- e não só imigrantes, claro, os locais também. Por causa desses putos, quem vem com intenção de aprender o idioma de verdade e se integrar acaba se prejudicando porque nada mais, meus queridos, nada mais sai de graça aqui, pelo menos não para os adultos.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Você tem fome de quê?



Teoricamente, aqui na Holanda, em se tratando de transporte público terrestre, só é permitido comer nos trens. Nos ônibus, metrô e bondes, não, inclusive há avisos dizendo o que é permitido e o que é proibido fazer no interior dos mesmos. Mas isso é na teoria. Como raramente ando de metrô, não sei o que acontece, mas é nos ônibus onde mais vejo gente comendo e de tudo: sanduíches, frutas, croquetes e toda sorte de brebote* (iscas de alguma coisa, sei lá o quê) com seus respectivos molhos etc. No bonde, as pessoas se seguram mais, mas mesmo assim comem, discretamente, mas comem.

Andei muito de ônibus em Recife nos últimos anos e o máximo que vi foi alguém comendo um saquinho de pipoca, chocolate ou biscoito, nada muito além disso. Não sei dizer qual é a regulamentação no Brasil com relação a esse assunto, porém acredito que ela seja mais flexível do que aqui. Deve ser por isso -- quanto mais proibido, melhor, só pode ser essa a explicação. Porque aqui, minha gente, em termos de bagaceira, a turma capricha, viu?

Sempre pego o bonde 9 no mesmo horário durante a semana e por dois dias, subiu comigo uma moça na faixa dos 20 e poucos anos, baixinha, de origem asiática. No primeiro dia, ela sentou num banco na frente do que eu estava. Assim que o bonde deu partida, ela sacou da bolsa um baita sanduichão. Como sentei na janela e ela, no corredor, tive o ângulo privilegiado para ver o tamanho do broodje: quando eu falo 'baita sanduichão' não é redundância, não, o negócio era imenso. Só dá pra comparar com o sanduíche de mortadela do Mercado Municipal de São Paulo, sabem qual é?



Sério. Tirando a enormidade do recheio acima, o tamanho do sanduíche (de queijo e presunto) era esse mesmo! Tá certo que aqui o pessoal não almoça arroz, carne, salada e tal, é na base do sanduíche ou do croquete mesmo, mas mesmo para uma refeição equivalente ao lunch, impressionava.

Pois bem, a moça comeu tudinho em coisa de três paradas de bonde. Depois que terminou, abriu a bolsa de novo. E eu pensando: agora é o suco ou o refrigerante. Que nada! Ela pegou OUTRO sanduíche e do mesmo tamanho! Pausa pra eu conseguir levantar o queixo...

Ontem, encontrei a moça no mesmo horário e dessa vez deixei que ela entrasse no bonde primeiro pra eu não correr o risco de ela sentar atrás de mim. Estava curiosa para ver o que acontecia. E vos digo: aconteceu exatamente a mesma coisa do início da semana. Pausa pra eu conseguir levantar o queixo [2]...

Não sou endocrinologista, nutricionista ou psiquiatra, mas não acredito que isso seja fome. Na minha leiga opinião, é compulsão por comida, só pode, e sendo compulsão, demanda tratamento. Além de falta de educação, no caso. Comer é um dos maiores prazeres da vida, sem dúvida. Nada melhor do que saborear uma comidinha gostosa, que pode ser até um sanduba, claro. Mas a moça não desfrutava do alimento: mal mastigava, mandava pra dentro, parecia uma trituradeira, um horror. Desde ontem que não posso ver a cara de um sanduíche. Tô lascada porque aqui os brootjes são uma instituição nacional.

* (Regionalismo PE): comida gostosa, mas sem valor nutritivo e de má qualidade.




quinta-feira, 19 de maio de 2011

Bichinho de estimação



Desde que chegamos aqui, Mariana vem aperriando pra ter um bichinho de estimação, que pode ser um gato ou um cachorro. Aliás, desde Recife que ela quer, mas lá havia a desculpa de que o apartamento era pequeno e dava pra ir desconversando. Acontece que aqui na Nederlândia o povo ama bichinhos de estimação e toda hora que Mariana encontra um hondje ou um poesje (cachorrinho e gatinho, respectivamente) na rua é aquele escândalo: ela fica cheia de fofurice e vozinha dengosa querendo alisar, brincar e tal. E aqui a desculpa tradicional não cola porque o apartamento é grande.

Eu gosto de animais, mas, confesso, tenho especial predileção por cachorro e de caça, de preferência. Esses animais costumam ter porte de médio a grande. Essa paixão começou na infância, pois meus avós maternos tinham um perdigueiro, King, que me acompanhou do nascimento até meus 7, 8 anos, não lembro bem.



Minha avó costumava contar que King ficava deitado na porta do meu quarto, quando eu era bebê, e as únicas pessoas que ele deixava entrar eram meus avós. Infelizmente, nosso cachorro morreu envenenado, depois de muitos dias lutando pela vida. E fui eu quem o descobriu morto na sua casinha, coitado. Meu avô passou dias sem comer por causa da tristeza de perder seu companheiro.

Depois disso, não houve mais nenhum animal na casa.

Já adulta, no meu primeiro casamento, tive duas fêmeas da raça retriever do labrador, mãe e filha, Hannah e Emily. A primeira tinha pelagem caramelo e Emily era a negona. Ajudei no parto, do qual nasceram oito cachorrinhos. Hannah foi uma mamãe maravilhosa.



Não tenho fotos delas digitalizadas e as que tenho estão no Brasil, mas esse cachorro aí de cima é a cara de Hannah. Infelizmente, com o divórcio, tive de me separar delas. Sei que ambas morreram (Hannah, de morte natural e Emily, envenenada). Se estivessem vivas, seriam duas senhoras de idade. Ainda hoje morro de saudade e choro quando penso nelas.

Pois bem, acontece que eu sempre morei em casa e como tive cachorros grandes, eles transitavam dentro de casa, mas moravam no quintal, em suas casinhas, abrigados e com todo conforto. Não me agrada muito a ideia de cachorro dormindo em cima da cama, esparramado no sofá e tal. Mas aqui, com o inverno rigoroso, não tem como deixar os bichinhos do lado de fora. Sem contar com a mão de obra de descer pra passear duas, três vezes por dia. E tem as férias também, né? Nossas idas ao Brasil começam ano que vem, meus cunhados vão também na mesma época por causa das férias dos sobrinhos, assim, quem cuidaria do animal? Hotel. Sairia mais barato levar o cachorro junto, de férias. :P

Aí entra a questão da praticidade de ter um gato. Estou tentando rever minhas preferências, mas, sei lá, gosto mais de cachorro, apesar de ouvir dos amigos que têm gatos que eles são apaixonantes e blablablá. Como disse, adoro animais, mas pra pet, sou louca por cachorro e se tiver um de novo, com certeza, será labrador, raça maravilhosa em todos os sentidos e nisso Mariana concorda: ama os labrinhas também.

Por enquanto, vou deixar o assunto quieto, em fase de amadurecimento, mesmo porque estou cheia de projetos no momento (depois conto!) e preciso de tempo para executá-los.

P.S.: Existem muitos sites de asilos de cães e gatos à espera de adoção aqui, inclusive contendo dados como idade, histórico dos hábitos, saúde, donos anteriores etc. Obviamente esse será o caminho que tomaremos caso a decisão seja de ter um bichinho em casa.



quarta-feira, 18 de maio de 2011

Por isso corro demais...



Desde o final de novembro que eu tinha parado de correr por conta do frio, lembram? Pois é. No mês passado, com a temperatura subindo, retomei a atividade física, inclusive porque nesses meses parada houve consequências: três quilos a mais e algumas roupas já dando sinal de alerta máximo -- felizmente eu estava bem magrinha antes da esbórnia, daí a bagaceira não ter sido total...

Pois bem, recomecei fazendo caminhadas de uma hora, em ritmo forte, com bastante alongamento antes e depois, para dar uma recondicionada e poder voltar a correr. Há quase três semanas consegui e já estou sentindo a diferença! Corrida é tudo de bom, tonifica e enrijece a parte inferior do corpo, favorece a concentração (equaciono mil problemas durante o exercício), dá uma sensação de bem-estar incrível (durante e depois, viva a endorfina!) e, de quebra, acelera a perda de peso que é uma beleza. Outra vantagem adicional é poder desfrutar desta estação maravilhosa:



Um verdadeiro privilégio mesmo!


Sim, porque depois de anos me exercitando em academia e apesar de continuar amando musculação, estou numa fase totalmente outdoors activities! Por conta disso, escolhi o Penbos, aqui em Diemen, para uma parte do meu percurso:






Como o Penbos é bem pequeno, já estou começando a enjoar. Semana que vem, vou para o Diemerbos, também pertinho daqui de casa, e bem maior:



E faço essas trilhas sozinha, de manhã cedo, na boa. Tudo deserto, só o canto dos pássaros, o barulho dos patinhos e tal. Uma das vantagens de morar fora da Randstad (as quatro maiores cidades da Holanda: Amsterdam, Rotterdam, Den Haag e Utrecht) é esse sossego. Claro que os muitos anos de condicionamento no Brasil me fazem dar uma tremida nos trechos mais sombrios, mesmo porque ficar completamente desligada não faz parte da minha natureza, mas só a grande probabilidade de eu não ser assaltada/estuprada/assassinada me deixa muito feliz e certa de que fiz a melhor escolha, não só mudando de país, mas também de ter vindo morar numa cidade de 24 mil habitantes.

Voltando à corrida e à diferança que já consigo sentir (uma calça jeans que adoro, a qual estava apertadíssima, já dá sinais de folga), credito também essa rapidez ao fato de eu ter cortando as muitas besteirinhas que andava comendo: chocolate é uma delas. Nos lanches, tenho substituído o bendito, as tortas, os cookies e demais delícias, por frutas, inclusive porque o tempo é dos morangos holandeses, dulcíssimos, cerejas, ameixas etc. E, sim, muita água. No fim de semana, dá-se uma relaxada, claro.

Mesmo sendo a corrida uma atividade super indicada para a perda de peso e para o bem-estar, é imprescindível procurar um médico para os exames necessários, e um bom profissional na área de educação física para as devidas orientações. Depois disso, é só curtir, os resultados são consequência.


quarta-feira, 4 de maio de 2011

Osama, Obama, onde estás?



Enquanto a aprovação a Barack Obama sobe nove pontos depois da morte de Osama bin Laden, fico pensando como a humanidade é incapaz de aprender com os próprios erros. E é a partir dessa reflexão que, no meu conceito, Obama caiu pra lá de nove pontos. Com a morte de Bin Laden, ao que parece, sem chance de defesa, à queima-roupa, os Estados Unidos perderam uma ótima oportunidade de se reafirmar como uma nação que merece respeito. Ao invés, preferiram se igualar na barbárie, na dissolução de todos os valores que apregoam e que lhes fazem uma democracia.

Em uma missão que desde o início foi encetada para o extermínio, o que fez o homem mais poderoso do mundo, Prêmio Nobel da Paz de 2009? Nivelou o seu país, o seu governo e a si próprio no mesmo patamar da selvageria e da insanidade provocadas pela cegueira da vingança. Muito pequeno pensar que essa atitude visou ao seu fortalecimento no processo de reeleição. Muito pequeno. O que sobra, então?



Obama perdeu uma grande oportunidade de quebrar a cadeia do ódio, desperdiçou a chance de deixar o seu nome na história não apenas como o primeiro negro a presidir os EUA, fato já consumado e escrito, mas como alguém que realmente entende o significado do prêmio que recebeu, dois anos atrás. Alguém que conseguiu enxergar na tríade Holocausto-judeus-palestinos, por exemplo, o quão cíclico e explosivo o sentimento de revanche, de ódio e de belicosidade pode ser. Que, a despeito de qualquer dor provocada, nada pode legitimar a perpetuação do ódio e da vingança, partam eles em qual direção partirem. Por que cito esse exemplo? Porque tivessem os judeus aprendido com seu própio sofrimento, não estariam impingindo o mesmo tipo de opressão ao povo palestino. Obama parece não ter aprendido com os exemplos, que são muitos.



Bin Laden não era um santo. Na galeria para onde Osama foi despachado, encontram-se os piores seres humanos que já pisaram na terra, não há dúvida quanto a isso. Além das muitas vidas ceifadas, incluindo as famílias que ficaram mutiladas pelo 11 de Setembro, Osama transformou o mundo em um lugar muito perigoso: antes, quando se falava em terrorismo, vinham à cabeça alguns países da América do Sul, IRA, ETA e só. Depois dos atentados de Bin Laden, o perigo mora aqui e em qualquer lugar. Um fanático, um louco, um ser humano execrável. Mas os Estados Unidos trataram de transformá-lo em um mártir. Se antes o mundo inteiro o odiava, hoje muitos começam a enxergar um rasgo da humanidade que o próprio Bin Laden jogou no lixo da História ao praticar atrocidades.



E aqui nem me detenho nas inúmeras contradições e situações nebulosas que envolvem a morte de Osama. Ora se diz que ele reagiu e estava armado, ora se diz que estava desarmado e na cama. Ora se diz que fez a mulher de escudo, ora se diz que a mulher sobreviveu. Onde está o corpo de Bin Laden? Ora se diz que foi enterrado no mar, de acordo com os rituais islâmicos. Quem pode acreditar nisso? Desde quando quem sai em uma missão, cujo único objetivo é a morte, está preocupado em respeitar um cadáver odiado? Se eu tenho essas dúvidas e não sou a única a tê-las, se eu desacredito da boa-fé norte-americana, se eu acho que essa história está mal contada e que muita maquiagem ainda vai ser colocada por cima, é por única e exclusiva culpa do próprio governo norte-americano. Tivessem-no capturado e levado a um tribunal para ser condenado à morte, que fosse, e aí fizessem uso de toda parafernália midiática e hollywoodiana de sempre, que fosse também, assim, e só assim, não estariam agora na mesma posição do bandido. E com a tremenda batata quente de ter de explicar o inexplicável. Perderam, cowboys.