quinta-feira, 20 de março de 2008

O caso da garota de Goiânia e suas muitas implicações

Além do indiciamento do monstro que torturou a menina, da empregada, como co-autora, e do marido do monstro, por omissão, cogita-se o indiciamento dos pais biológicos.

Uma mãe, movida pelo desespero, miséria e falta de oportunidades, vê numa pessoa influente e com boas condições financeiras a oportunidade, talvez única, de livrar pelo menos um dos seus filhos da penúria em que vivem. Entrega a filha a essa pessoa para que em troca de algum trabalho doméstico, ela possa fazer todas as refeições, ter um teto, algumas roupas e, sim, que possa estudar.

A situação é bastante comum também no interior de Pernambuco, onde se concentram as comunidades mais carentes do meu estado. Cresci vendo dentro da casa dos meus avós casos idênticos a esse.

Meus avós costumavam ir ao sertão visitar seus compadres e, vez por outra, voltavam com uma menina. As idades variavam dos 10 aos 13 anos, não lembro de nenhuma mais velha. Chegavam desnutridas, com piolhos e vermes, doenças de pele e vestidas com farrapos. Não vinham descalças porque minha avó comprava-lhes logo um par de alpercatas.

Depois de algum tempo e trato, as meninas melhoravam a aparência e a saúde, ganhavam roupas e sapatos, engordavam e iam para a escola noturna. Na casa, ajudavam nas tarefas domésticas: lavavam pratos, varriam a casa, lavavam roupa. Havia sempre uma empregada que cozinhava e era responsável pela casa na ausência dos meus avós.

Uma vez por ano, sempre na época do São João, meus avós voltavam ao sertão e levavam a menina também. Durante o tempo em que eles permaneciam na fazenda dos amigos, ela seguia para a casa dos pais, onde ficava até a data do regresso deles. Algumas não voltavam, mas a maioria, sim. Depois que a mãe constatava que a menina estava bem, geralmente pedia que meus avós fossem padrinhos dela. E assim minha avó passava a ser a madrinha Nau. Lembro que uma dessas meninas, já moça feita, saiu da casa dos meus avós para se casar.

Minha avó era uma mulher rígida, amiga do certo no lugar certo e do errado em qualquer outro lugar, menos na sua casa. Eles não eram pessoas de muitas posses, mas para quem vivia na miséria, pareciam ricos. Minha avó nunca encostou um dedo numa menina dessas. Não estou aqui bancando a sua defesa nem justificando o trabalho infantil. Estou apenas apontando para a realidade de trinta anos atrás. E que, ao que tudo indica, continua ainda em voga, infelizmente.

Voltando ao caso da menina de Goiânia, quem garante que a situação não foi a mesma? Quem condenaria uma mãe que vê numa mulher rica e aparentemente respeitável a possibilidade de dar à filha um futuro melhor? Acho que essa ponderação é necessária porque, no calor da hora e da indignação, é muito fácil apontar culpados. Isso não quer dizer que a Justiça não deve apurar se a mãe biológica fez vista grossa aos maus-tratos de que a filha era vítima. Se isso aconteceu, ela também deve ser punida com todo o rigor da lei.

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