terça-feira, 29 de abril de 2008

Nada de novo no front




Sim, conte uma novidade. Ando precisando delas.
Mas não me venha falar de meninas, pais, madrastas e janelas.
Nem de dossiês, das fofocas da TV, do incesto no porão da casa, da estrela cadente do último BBB.
Também não venha me falar da Playboy e das celulites e photoshops, de quem turbinou os peitos, a boca e a bunda, pena que não o cérebro.
Nem de reeleição, das elites e suas teorias conspiratórias.
Não venha me dizer que o Brasil não tem jeito, memória e auto-estima, é terra sem lei e com gente demais que sabe manejá-la de acordo com suas conveniências.
Não venha me falar de cantoras drogadas, de mulheres frutas, de gays enrustidos, de padres malucos e balões perdidos.
Tampouco venha me falar que o seu time está numa maré ruim, que não sabem o que fazer com o Fernandinho e que aquela moça mostrou a calcinha em evento do jet set tupiniquim.
Não venha me falar de craques em fim de carreira e travestis, nem da próxima novela das 8, muito menos da ex-mulher que jogou a roupa suja no YouTube e foi pro cinema.
Então você me diz que sobra quase nada.
E eu lhe respondo que o que falta é assunto.
No meio desse bombardeio de notícias, na sua maioria ocas e desnecessárias, pensar é coisa difícil e manipulável. Ter opinião própria, o que dirá... É nessas horas que o melhor conselho é esse: desliga a merda do computador e vai ler um livro, ô Cride.

Fotografia: Flickr

segunda-feira, 28 de abril de 2008

O que eu quero? Sossego!

Num domingo desses, Paul precisou ir ao interior e eu fiquei com Mariana. Por volta de 11 da manhã, o interfone toca. É Francisco: Dona Kenia, Ana Smith está aqui querendo falar com seu marido.
- Ana quem, Francisco?
- Peraí que eu vou passar pra ela.
Uma moça com sotaque paranaense pergunta por Paul. Quando eu digo que ele não está, Mrs. Smith pergunta: Ele fala inglês? Respondo que sim. Ela pergunta se eu falo também. Respondo que sim. Ih, lá vem alguma representante de enciclopédia... Na mesma hora em que eu respondo, Mrs. Smith já começa a falar comigo em inglês. Ela diz que está oferecendo um material em inglês e gostaria de nos convidar para uma palestra na sede deles. Fudeu, é enciclopédia mesmo.

Só que no meio do trololó dela, escapa um religious group. Vamos parar, minha senhora. Já de cara, cortei o assunto dizendo que esse tipo de atividade não fazia parte das nossas agendas e, além do mais, sendo à noite, não teríamos com quem deixar nossa filha, piriri pororó caixinha de fósforo, mas agradecia de qualquer forma o convite. Ela se prontificou a deixar o tal material na portaria.

- Francisco, segura a jóia aí que estou indo buscar.

Sabem o que era o material da tal palestra? Dois livretos idênticos, nas versões português e inglês, adivinhem de quem? Testemunhas de Jeová! Eu devo merecer...

Religião é opção e aquele lero todo, mas usar técnicas (antigas, diga-se de passagem) de vendas para recolher ovelhas para o Senhor já é demais, né não? Depois perguntei a Francisco se a tal Smith tinha procurado outro morador e ele disse que não. Deduzi que ela deve ter usado a lista telefônica e como o sobrenome do meu marido é gringo, pensou: esse mané deve falar inglês.

Também na base da especulação, penso que essa turma está tentando mudar de alvo porque, no geral, o que é que vem à mente quando se fala das Testemunhas de Jeová? Radicalismo, ignorância (entre outras coisas, eles não permitem transfusões de sangue, mesmo que a vida de alguém dependa disso) e obsessão pelo fim do mundo. Que meda! Querem agora um rebanho mais esclarecido - grande merda falar inglês! - para dar uma guaribada na imagem da igreja. Faz sentido, não faz? E nem o meu interfone escapa! Isso, sim, é o fim do mundo!

Acho que a vida é dura demais, chega a ser cruel na maioria das vezes e poucos são os nossos refúgios nesse caos todo. Respeito quem busca consolo e força para os seus dramas pessoais, sofrimentos e dilemas na religião. Da mesma forma, respeito quem os busca na psicanálise, na arte, na vida profissional. Idem a quem se dedica a ONGs que cuidam de animais em extinção ou abandonados, de crianças carentes, idosos etc. e tal. Enfim, cada um administra seus problemas como dá. Porque viver, sim, não é coisa para amador. Mas o que eu acho um saco é essa invasão. Entrar na minha privacidade para me oferecer a salvação. E quem disse que eu quero salvação?

Viver é bem complicado e tem horas que sigo no piloto automático mesmo. Mas no geral, sou muito atenta, procuro estar inteira no que sinto, vivo e acredito. Particularmente, optei por viver baseada em coisas que considero verdadeiras. Sendo cidadã, procurando viver minha vida de maneira honesta, sem hipocrisias e superficialidades. Tentando diariamente o difícil exercício de colocar-me no lugar do outro e entender suas motivações. De perdoar o possível e tentar esquecer o que não dá para ser perdoado no momento. De estar constantemente testando e ampliando os meus limites de paciência, compaixão e tolerância. Também vivendo intensamente meus momentos de raiva, de indignação e de nojo com relação a certas coisas porque quem sublima isso adoece, apodrece por dentro. Resolvi também fazer uma faxina nas minhas relações pessoais, levando o que vale a pena e deixando para trás o que reiteradamente me fez mal. Não dou mais murro em ponta de faca. E a luta sempre continua, companheiro. Tem dias de sol e outros, não. E essas coisas me fazem acreditar que a minha busca não precisa estar atrelada à igreja alguma. Sigo assim e estou bem, obrigada.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Lei do Silêncio




Francisco trabalha como porteiro no prédio onde moro desde que o mesmo foi entregue aos primeiros proprietários e isso já tem uns seis anos. É, portanto, o funcionário mais antigo daqui.
É uma pessoa inteirada dos problemas do condomínio, conhece todos os moradores pelo nome e andar. É atencioso, inteligente e bem-humorado. Eu diria até que ele poderia ter sido qualquer coisa que quisesse na vida, caso tivesse tido as oportunidades necessárias. De modo que ele, como porteiro, é para mim uma espécie de Wikipédia: nada acontece por essas cercanias sem que Francisco saiba ou, pesquisando com as fontes certas, não fique sabendo. Ele é casado, não sei se tem filhos e aparenta uns 50 anos.

O jeito simpático e comunicativo faz de Francisco uma pessoa bastante querida no bairro onde mora. Lá ele também participa de um programa de rádio (pirata) com bastante audiência na comunidade. É, sem dúvida, uma pessoa diferenciada.

Pois bem. Há mais ou menos três anos, Francisco foi detido pela polícia em casa, no seu dia de folga. Tudo foi feito discretamente, mas ele foi levado, numa viatura da Polícia Civil, para a delegacia mais próxima.

Na semana anterior a esse fato, o programa Linha Direta, da Rede Globo, exibiu um duplo homicídio cujo praticante estava foragido e ele era idêntico ao nosso Francisco. A denúncia foi feita - por um morador do prédio, diga-se de passagem - e não deu outra: levaram o porteiro.

Por um golpe de sorte, o delegado de plantão tinha sido morador do nosso prédio e conhecia Francisco. Nesse meio tempo, a rádio da comunidade já tinha divulgado o acontecido e seus conhecidos formavam um grande grupo na frente da delegacia. Desfeita a confusão, Francisco foi liberado. Mas fez uma exigência: queria voltar para casa na mesma viatura que o trouxera, pois assim todos saberiam que foi um engano e ele se livraria da vergonha do dito pelo não dito. Foi atendido.

Eu tomei conhecimento desse fato através de outro funcionário do condomínio. Fiquei espantada, mas como a coisa toda teve um desfecho positivo, esqueci. Um belo dia, Francisco veio aqui em casa acompanhando um técnico que faria um conserto no interfone. Enquanto o rapaz torcia e retorcia fios, lembrei do ocorrido e Francisco me contou todos os detalhes do que se passou na época, inclusive que fora denunciado por um morador daqui.

A primeira coisa que eu lhe disse foi que, caso ele entrasse na Justiça por danos morais contra o Estado, seria uma causa ganha, pois havia testemunhas diversas blablablá. Sabem o que ele me respondeu? Dona Kenia, eu não sou besta de deixar viúva nova e rica! Isso mesmo. Ele arrematou que na época apareceram dois advogados se oferecendo para representá-lo, mas que fora aconselhado por outras pessoas, graúdas, segundo ele, a ficar quieto, pois, do contrário, a represália seria certa.

Nessa hora, percebi que Francisco era muito mais safo do que eu porque ele conhece o funcionamento das engrenagens todas, sabe onde o bicho pega. Percebi também que a sua exigência de voltar para casa na mesma viatura era sua única opção de dar o troco, de se fazer respeitar. Ele sabe das coisas. Ele conhece a lei do silêncio e seus imperativos. Aqui e alhures.

Fotografia: Flickr

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Você e os outros




Você aprendeu, desde muito cedo, a tentar entender as pessoas não pelo que elas diziam, mas pela maneira como diziam. Sempre desconfiou das segundas peles, daqueles discursos por debaixo de outros, daquelas palavras contraditas por braços cruzados no peito, por pés que não paravam quietos. Mas isso tudo é tão subjetivo... Pode ser refutado, ignorado, contradito. E você fica como? Como poderá defender seus pontos de vista baseado em nuances desse tipo, sem nada, digamos assim, concreto? E assim são construídas hipocrisias, negações, mentiras. E sobra você, com cara de bobo, de desajustado, de sensível demais e, por isso, desfocado.

Aí você ou entra no jogo ou não entra. Tão claro, tão simples que chega a ser patético. Você perde a credibilidade, as pessoas passam a ter cuidado com você porque corre à boca miúda que você exagera... Isso quando você decide não entrar. Mas, ao mesmo tempo, determinadas pessoas temem o seu olhar - elas se sentem despidas diante dele e isso é embaraçoso...

Por outro lado, se você decide entrar no jogo, passa a manipular essa visão de mundo a seu favor. Você faz o jogo de forma consciente, programando as peças do seu tabuleiro de acordo com o que o outro tem em mente, você desenvolve um faro exemplar. E com o tempo suas técnicas se tornam mais apuradas, mais sutis. E eis que surge o farsante propriamente dito. Mas um farsante com lampejos de sinceridade, pena que muitas vezes movidos pela covardia.

A vida segue e você segue junto. Cria uma reputação, constrói um estilo de vida, granjeia até admiradores, enfim, você parece, aos olhos do mundo e aos seus também, que deu certo. Você é um sucesso!
E de tão envolvido nesse processo, você esquece ou perde o contato com aquela sua natureza que não desprezava os desditos, os estalos por trás dos acontecimentos e da forma como eles eram contados. Você até que ainda tem uma queda por eles, mas não lhes dá ouvidos. E quando dá, é sempre em algum momento crucial do jogo, no qual você não quer e não pode perder.

Nessas horas, você se enxerga no outro. Você vê nele os seus antigos medos, o suor gelado da vergonha alheia tem um cheiro muito familiar para você. As palavras, as tentativas, tudo tem a sua antiga cara. O outro é você mal-acabado, sem alinhavo. Você sabe por onde ele se equilibra, você conhece os becos, as vielas, os esconderijos. Mas você não lhe dá passagem. Seu prazer é aniquilá-lo. Como quase fizeram com você. Ou fizeram, mas você ainda não se deu conta.

E naqueles momentos em que você pensa que pode tudo e se delicia com isso, infelizmente você dá o maior vacilo: mostra a cara, mesmo que de relance. Você cometeu a besteira de achar que pode ser farsante a vida inteira... Aí você nega, faz que chora, desconversa, tenta desqualificar quem te contradiz, debate-se em busca da máscara que, de tanto que lhe é cara, tomou o lugar da sua própria.

Nessa hora, claro, virão em socorro os seus aprendizes, seus admiradores, os que te amam sem a voz do bom senso, os que te defendem ou por cegueira ou por convicção. E você respira e se apóia nesses ombros. E se recompõe porque a vida é muito curta e você terá sempre ao seu alcance o poder da negação bem fundamentada e endossada.

Não que você seja mau, você não é. Não que você não seja uma pessoa legal, até pode ser. Eu entendo perfeitamente a sua falta de assunto, o seu silêncio ressacado. Compreendo a sua tentativa de se reconstruir, de se reerguer. A única coisa que lamento é que você volte de tudo isso exatamente igual, com as mesmas couraças, com a mesma retórica profunda, mas ao mesmo tempo oca, com as mesmas técnicas de ilusionismo sem perceber, meu caro, que você é quem está dentro da cartola e não o contrário.


Fotografia: Flickr

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Hoje andarei vestida e armada com as armas de Jorge




Feriado no Rio de Janeiro. Salve Joaarge!


terça-feira, 22 de abril de 2008

22 de abril - Dia da Terra

Show de horrores




“Hoje vou cantar de preto para expressar minha insatisfação com o que está acontecendo", disse Cláudia Leitttte antes de começar a cantar no show do Padre Marcelo Rossi, do qual também participaram Ivete Sangalo, Xuxa e outros, na última segunda (21), em São Paulo.

(Como se cantar com caras e bocas e roupa de dominatrix fosse mudar os rumos da humanidade, né mesmo?)

É isso aí, todo mundo tirando uma casquinha na desgraça alheia. Daqui a alguns meses ninguém mais vai lembrar de nada. Então, aproveitem agora e capitalizem!

Nojo disso tudo e a certeza de que o bombardeio não vai cessar tão cedo.


domingo, 20 de abril de 2008

4 us




Happy Anniversary to us.


sexta-feira, 18 de abril de 2008

Curtinhas

Tenho uma tia que sofre de depressão desde muito jovem. Hoje ela é uma senhora de uns 65 anos.
Eu tinha uns 7 e lembro de um trecho de conversa dela com uma de suas irmãs, no qual essa última dizia que ela se controlasse, que deixasse certas coisas de lado. Não lembro sobre o que falavam, mas guardo a resposta que a minha tia deu até hoje: "Não, eu não sirvo para esse mundo."
Nem eu, tia.
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Alguém falou aqui em madrasta boa. Depois eu conto uma historinha pra vocês.

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Amanhã é o Dia do Índio. E daí? Foda-se o índio.

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Muitas coisas aniquilam a dignidade de um ser humano. Uma delas é a TELEMAR.

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Hoje eu queria um dia só pra mim. Sem filho, sem marido, sem ninguém. Não iria ao cinema, não daria um rolé pelo calçadão, não iria à casa de amigos nem a nenhum lugar que gosto. Queria um dia para chorá-lo todinho na minha cama. Faz tempo que eu não choro solto e isso me faz falta.

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Não, não estou deprimida nem precisando que alguém me fale sobre as duas soluções possíveis: Deus e/ou terapia. Quero não. Teve intermediário, a coisa já degringola.

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Eu tive duas cadelas: Hannah e Emily. Mãe e filha. A filha nasceu nas minhas mãos. Uma delas morreu, só não sei qual.

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Fugi de casa aos onze anos. Mas fui de táxi e mandei a conta pro meu pai.

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Meu avô tinha um cachorro perdigueiro chamado King. Ele costumava dormir na entrada do meu quarto. Quem disse que perdigueiro é cão de caça?

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E meu time foi Campeão Pernambucano antecipadamente. De novo. Chato só cumprir tabela, né mesmo?

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Dá licença que agora eu vou falar, tá legal?

Bom dia para todos os leitores e leitoras.
Tudo bem com vocês? Por aqui tudo Magiclick, mas poucos saberão o que é isso. Nem eu vou explicar. O bom de ser velho é que você pode ser enigmático à vontade...

Bem, já que a polícia vai indiciar os suspeitos no caso do assassinato da menina Isabella Nardoni e a perícia só tem agora uma dúvida - definir se a criança foi esganada antes ou os ferimentos foram em decorrência da queda -, creio que posso me pronunciar. Sim, porque fazê-lo antes de todas as provas serem apresentadas é crime, não é mesmo? Perigava até acontecer com o casal o mesmo que aconteceu aos donos da Escola Base, que foram massacrados e eram inocentes, todo mundo lembra disso.

Apesar de muita gente ter se policiado para não acusar antes que tudo fosse esclarecido, não acredito que toda essa correção ética seja apenas fruto de precaução, de racionalismos. É também fruto de um estarrecimento, de uma negação que espera até o final na vã esperança de ver que um pai não tenha sido capaz de fazer o que fez.

Isso posto, vou olhar para a lente da verdade e dizer o que penso, e dessa vez sem que nenhum branco caucasiano (não pode falar neguinho, que é preconceito!) venha me encher o saco.
Sei que não serei lida pelos dois futuros indiciados, mas mesmo assim, vou deixar-lhes um recado:

Seus dois desgraçados, a casa caiu. Filhos da puta, escrotos, mentirosos, doentes irrecuperáveis, sanhudos, é por vocês que a escória humana chama.
Apodreçam na cadeia, é a maior proteção que vocês podem dar aos seus dois filhos porque o amor "incondicional" de vocês mata. Doentes, bestas-feras, desejo-lhes muitos anos de vida para que enlouqueçam, definhem, lembrem de tudo, dia após dia. Vocês não merecem perdão, desculpa, misericórdia. Você se danaram. Amaldiçoados.


Bom dia para todos, voltem sempre. Passem bem.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Você tem medo de quê?

O que norteou sua vida foi o medo
Sempre.
Teve medo de perder
Medo da morte
Medo de não ser amada
Medo de sofrer
Medo de não ser feliz e medo de ser
Medo da luz e medo das sombras e mais ainda
Do escuro
Medo de não ser suficientemente boa
Medo de ser má
Medo de comer demais ou de ter fome

Houve um tempo, então
Em que quase todos os seus medos ganharam rosto, voz, cheiro, acenos
E ela pensou que, de tanto medo que sentira,
algo oculto
uma força, uma sina, um prodígio qualquer
tivesse transformado esses seus pesadelos em carne e ossos

E passou a ter medo do próprio medo.

Até que um dia teve uma certeza sem nome. Não quis pensar no que era, apenas seguiu a sua correnteza.

Recusou-se a temer o revés: ganhar ou perder fazia parte de qualquer jogo, afinal, de tantos que se foram, já não temia mais essa morte, ela viria de qualquer forma e, uma vez em pedaços, a dor não seria mais tão aguda.

Quanto ao amor, deixou-se amar sem pedir licença, sem oferecer propina e sem maquiagens.
E se tinha que sofrer, fazia-o silenciosamente, sem platéias, sem cenas, sem desnecessários: entregava-se com a calma certeza de uma reparação, qualquer que fosse, não importava o nome.

E nada mais foi forte o bastante para lhe tirar o sono. Contornou suas angústias, suas necessidades.
Reaprendeu-se no outro, deixando-se um pouco de lado.

Sem se dar conta, era ele, o medo, quem a levava pela mão. Era ele quem a acordava com uma xícara de café quente todos os dias. Sempre ele. Era ele que, de tão temido e negado, passou a fazer tudo o que estava ao seu alcance para que ela percebesse que viver sem ele seria impossível. Que é preciso estar ao seu lado para se manter vivo.
E ela nunca entendeu, embora continuasse, às escondidas, sentindo-se escandalosamente com medo de quase todas as coisas.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Dengue: combate ao preconceito

Como devemos sempre tomar cuidado com o que falamos nesses tempos politicamente corretos, justiça há de ser feita.
Parem todos os jornais, revistas, mídia eletrônica. Calem-se todos os que falam, cochicham, blasfemam e vociferam contra o mosquito da dengue. Vocês estão cometendo uma injustiça histórica, a qual perpetuará o preconceito de gênero que, por sua vez, solapará a dignidade das gerações futuras, fazendo-as passar por situações de dano, aviltamento e diminuição de sua auto-estima.
Esqueçam os velhos paradigmas. Combatam o Mosquito Fêmea da Dengue, pois, nesse caso, o macho, que tem primazia de gênero na língua portuguesa, está pagando o pato indevidamente já que o poder de picadura e pestilência, pasmem e viva a natureza!, pertence à fêmea.

Quando Deus fecha uma porta, abre sempre uma janela...

domingo, 13 de abril de 2008

Questão social

- Olha só essa bolsa!
- Bonita, né? 699 reais, tá baratinha.
- Também achei, acho que vou comprar. Simplezinha, pra bater mesmo.
- É.
- Dia desses tive um ódio!
- O que foi?
- Sabe uma bolsa linda da Louis Vuitton? Aquela que tava na promoção por 950?
- Lembro, sim, aquela basiquinha. Você comprou, né?
- Nada, esqueci a promoção. Quando estava em NY, vi a mesminha por quase o dobro. E a promoção aqui já era, né?
- Que bobeira a sua.
- Fico aqui pensando naquela criatura que acha que uma bolsa não vale isso. "Aquela", sabe?
- Hum hum...
- Pois é, prefere comprar uma bolsa por 100 reais, que na primeira semana de uso esgarça toda, quebra o zíper, um horror!
- O barato que sai caro, viu?
- Aí você pega uma bolsa dessas, simples, mas de qualidade, que não estraga facilmente e ainda faz aquela presença!
- Dura a vida inteira!
- Lógico! Uma bolsa que sobrevive a modismos, sempre combina com tudo e tal.
- E pra vida toda.
- Diria que passa de geração pra geração: você usa e depois passa pra sua filha! Imagina que máximo!!
- Uma verdadeira Bolsa Família!

sábado, 12 de abril de 2008

para Francisco

Um dos blogs mais lindos, mais poéticos e que me emocionam sempre é esse: para Francisco.
Nele, Cristiana Guerra fala sobre a experiência de ter perdido seu companheiro, o amor da sua vida, dois meses antes de um outro amor chegar: seu filho Francisco.

Cris transforma em sentimento puro, em poesia, uma prosa que poderia se resumir em saudade, dor e ressentimento. Enfim, ela, seus dois amores e suas palavras são coisas lindas de se ver, ler e sentir. Minha leitura diária. Com eles tento aprender o que importa realmente.

E hoje descobri que Cris, Francisco e seus sogros participaram do Globo Repórter de ontem. Do site da Globo, trouxe pra vocês o trecho do programa. Vejam e leiam também o blog da Cris, vale a pena.


O que é Alma Pernambucana?

Santanna O Cantador - músico

"É transportar interiormente consigo
O verdadeiro sentimento de nação
É a certeza de ser primeiro em grau de brasilidade
É respeitar a atitude de tradicionalidade
É vestir nossa bandeira como uma segunda pele
É cantar a musa antiga mesmo que a nova se revele
É decantar nosso hino como forma de oração."


Fora o pleonasmo, quanto bairrismo. Quanta soberba. Quanto geocentrismo. Quanta besteira. Quanto ranço.

Alma Pernambucana para mim é visagem, como qualquer outra.

Ema, ema, ema...

Triiiiimmmmmm (Onomatopéia démodé de telefone fixo)
- Alô?
- Oi, sou eu. Tudo bem?
- Tudo. E você, como está?
- Mais ou menos. (Pausa longa demais em se tratando de quem fala...)
- E fulano? Tudo bem? (Por que fui perguntar??!!)
- Menina, você não sabe da maior... blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá (Pausa pra ela respirar e pra eu suspirar...) blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá (Caralho, por que fui perguntar?!) blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá...
- Ei, não acredito que você foi capaz de fazer isso!!
- Blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá (Eu e a minha língua!) blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá...
- Vem cá, você já parou pra pensar que o doido nessa história não é ele? (Eu não aprendo!)
- Blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablabláblablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá blablablá...
- Eiiiiii, quer saber o que eu acho?
- Quero!!
Tu Tu Tu Tu Tu Tu Tu Tu Tu Tu Tu Tu (Onomatopéia de linha de telefone que foi desligado. Na cara)

Sabida é Madame Ke, que cobra consulta sentimental em euro e por minuto - por email sai bem mais em conta, aviso. Na hora neguinho consegue ser breve e conciso. Não sei como ainda fico impressionada com o egocentrismo alheio. Nem uma preliminarzinha, uma fungada no cangote, um comentário sobre o tempo quente e abafado. Nada. A seco mesmo. Tá certo que rodeios interminavéis me irritam, mas assim também é demais. E sem contar com um detalhe importante: eu não estou interessada nos problemas de pessoais tais que, caso eu delas precisasse, não perderiam sequer um minuto do seu precioso tempo para me ouvir.

É isso aí: mais chata e mais seletiva. Mas um doce quando jogam um ratinho branco no meu viveiro.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Stella Artois desidratada...




O que dizer de uma criatura cujo amigo, em tour pelas terras de Evita, traz o regalo acima dizendo que achou a cara dela?

E o pior ainda nem foi isso. Digo-vos. A criatura presenteada, num súbito lampejo de senilidade precoce, pensou e ainda teve coragem de verbalizar o seguinte: "Ah, isso é legal porque está desidratado, levando pra geladeira, dá pra beber depois de algumas horas!" Gênio da raça.
Como pode tanta sagacidade assim numa pessoa só? E nem digo de quem se trata. Quem quiser que adivinhe.

They tried to make me go on a diet, but I said 'no, no, no'

Petiscos vindos das Nederlândias





Os Côte d'Or são belgas, o Milka, suíço - o gosto é bem diferente do produzido no Brasil e na Argentina.
E o que é tipicamente holandês e também o meu favorito: Pindarotsjes - joga-se chocolate quente em cima de amendoins (pinda, em holandês) e depois, quando endurecem, são quebrados, formando pequenas "rochas" de choco. Delícia!





Na parte de cima, queijo (kaas) Goudse (de Gouda - a cidade holandesa onde é produzido. Aqui no Brasil ele é conhecido como Gouda mesmo) oud (envelhecido, curado - por, no mínimo, um ano). Depois, carne bovina defumada; mais um Gouda só que não tão curado quanto o Oud; o rolinho é patê de fígado de porco (Mariana ama! Tanto que, desde pequena, qualquer presunto para ela era "Pips" - não sabia chamar Kips, que é a marca do patê).
E finalmente, a estrela do carregamento, isso que quando Paul come, parece que passou pelas portas do céu: a embalagem aí embaixo. Trata-se de nada mais nada menos que carne de cavalo defumada... Ecaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!
É um frio super típico de lá e o gosto é igual ao de carne bovina, mas só de saber que é de cavalo já me dá agonia.
Se bem que quem come carne de charque por essas bandas nem deveria ter nojo...

terça-feira, 8 de abril de 2008

Nasci quase ontem

Quando alguém falava para minha avó que fulano ou beltrano tinha tantos anos e nessa conta havia alguma subtração, Dona Nau prontamente dizia: Se Norma (minha mãe), que nasceu ontem, tem x anos, como fulano só tem isso?! Só os outros é que ficam velhos, reiterava em voz baixa.

Ora com sua filha, ora comigo, era assim que a minha avó marcava e demarcava o tempo. E eu achava uma graça danada nisso. Mas hoje sei que mãe estabelece cronologias através da idade dos filhos ou até do que foi anterior a eles. Filhos são como calendários na parede. Hoje me flagro na exatidão dos meus cálculos temporais e sei que de há quase cinco anos até o fim da minha vida será assim: antes e depois de Mariana.

Se a minha avó estivesse viva e alguém viesse com uma lorota desse tipo, sei que ela certamente diria, mesmo que perdida nas brumas do esquecimento: Kenia, que nasceu ontem, tem x anos e fulano tem só isso?!
De certeza também ela não comentaria a segunda parte por delicadeza à minha presença - ela às vezes tinha disso. O que viria, sim, seria o espanto. Cada vez que eu corrigia a minha idade para mais, ela costumava dizer: Já, Kenia? E eu lhe diria: Sim, 41 anos. Hoje.

Feliz Aniversário pra mim.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Por que as mulheres amam Gregory House?




Ele é irônico, perspicaz, genial.
Por detrás do sarcarmo, um ar de abandono. É emocionalmente confuso. Tem vácuos e neles seus olhos azuis se perdem em certos e poucos momentos. Ele é objetivo demais, sagaz demais, sozinho demais.
Apesar de não ser bonito, é um homem interessante. E só pra constar: tem bíceps e pernas definidos, apesar de uma delas ser aleijada.
Ele também é pirado, transgressor. Toca guitarra e piano, pilota sua moto feito doido.
Ele é dependente químico devido a uma dor aparentemente física.
Ele ama uma mulher e apenas para ela sorri com franqueza e humanidade. Mas ele a rejeita, pois sabe que nunca serão felizes por causa da própria incapacidade de mudar.
Mesmo errando em alguns momentos, ele sempre tira onda de Deus quando, no final, salva vidas condenadas.
Ele não crê nem precisa de salvação.


Algumas razões para amar House


Porque ele é pura contradição: o que fascina numa hora, repele em outra. É esse perfeito equilíbrio de partes antagônicas que o torna atraente.

Porque muitas de nós ainda crê na armadilha do Comigo vai ser diferente.

Porque temos raiva da sua imaturidade emocional, mas lá no fundo sabemos que ele está certo: ao afastar o outro dos seus fantasmas, ele está sendo, no mínimo, honesto.

Porque somos naturalmente programadas para ler nas entrelinhas, o que muitas vezes é a nossa perdição. O fato de percebermos que alguém é indiferente, egoísta e prepotente, mas que lá no fundo é uma pessoa sensível e problemática não deve servir-lhe de salvo-conduto. As pessoas não mudam porque achamos que elas devem. Elas mudam quando querem e julgam necessário mudar. E quando isso acontece, o melhor é procurar ajuda. Especializada.

Porque quando ele toca guitarra e piano não tem como não tocar também o imaginário feminino: a visão de como seria ter o próprio corpo dedilhado. Quem já não se apaixonou pelo rapaz da faculdade que tirava um som no violão? Aliás, um dos sábios conselhos da revista Playboy para arrumar mulher é esse: aprenda a tocar um instrumento!

Porque ele desperta o instinto protetor, aquele apelo que têm os bebês chorões, os que sofrem, os solitários, os incompreeendidos. Mulher adora ser mãe.

Porque ele é a soma de todos os clichês que são a danação de uma mulher. Mas isso não diminui em nada seu sex appeal, diga-se de passagem.

Cazuza, te trago mil rosas roubadas...







Se estivesse vivo, Cazuza completaria hoje 50 anos. O tempo não pára, Caju.

>> Ideologia, eu quero uma pra viver *

Em 79
"Olhar o mundo/ Com a coragem do cego/ Ler da tua boca as palavras/ Com a atenção do surdo/ Falar com os olhos e as mãos/ Como fazem os mudos."

Em 84
"Antes de nascer, já era Cazuza. Minha mãe tinha vergonha de me chamar, tão pequeno, de Agenor. Na escola, nunca respondia à chamada. Não sabia que meu nome era Agenor."

Em 85
"Não me considero um cantor. Levo legal meu lero, sou afinado, mas não passo de um letrista que canta, que gosta do palco. No palco, me sinto o cara mais gostoso do mundo. Fora dele, fico meio indeciso, perdido."

Em 86
"Os marginais estão mais perto de Deus. Toda ovelha desgarrada ama mais, odeia mais, sente tudo mais intensamente, embora eu mesmo não me sinta assim (...)."

Em 87
"De cara, fiquei meio constrangido por dividir o prêmio da Associação Brasileira dos Produtores de Discos, de melhor letrista da MPB, com o Chico Buarque. Mas depois pensei melhor e achei que não devia menosprezar assim o meu próprio trabalho."

Em 88
"Estou querendo me livrar do personagem Cazuza. Não quero mais falar, em minhas músicas, de sexo e drogas. Não quero mais segurar cartaz. Não quero nem que cachorro me siga na rua."

"De alguma forma me considero brega nas coisas que escrevo. Sou cafona e assumo. Gosto de palavras como ingratidão. Sou meio Augusto dos Anjos: 'escarra nessa boca que te beija'."

Em 89
"Meu amor agora está perigoso, mas não faz mal. Morro, mas morro amando."

"Meu pai nasceu pobre, trabalhou e foi subindo na vida até chegar a uma cobertura em Ipanema. Quando eu cheguei em casa e disse que ia morrer, ele me respondeu: 'vamos ficar juntos e vencer isso'."


* Fragmentos tirados da matéria O poeta exagerado do rock, de Tatiana Notaro, pro Caderno C do Jornal do Commercio.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Doutor Tutu

Um dia desses, quando fui levar minha filha na escola, encontrei a mãe de um coleguinha de classe, Vinícius.
Conversamos um pouco sobre os avanços das nossas crianças com o abecedário, os numerais e coisas desse tipo. E, inevitavelmente, falamos sobre as birras da faixa etária, os chiliques e a capacidade inata que eles têm de testar a nossa (quase) imorredoura paciência. Tive pena do esgotamento da moça: além de Vinícius, ela tem um bebê de pouco mais de um ano que, segundo ela, é bravo que só. Vinícius, pelo que vejo sempre, é um menino doce, simpático e carinhoso.

Num determinado momento, chamei Vinícius de Vini e perguntei se era esse o seu apelido. A mãe disse que era Vinícius mesmo. E emendou que o marido até tentava chamar o mais novo, Artur, de Tutu, mas ela não estimulava.

Muitas pessoas não gostam de apelido nos filhos. Conheço gente que detestaria o fato de ter quebrado a cabeça durante nove meses para achar um nome legal, sonoro, significativo e tal e, de repente, vê-lo reduzido a um monossílabo, quiçá um dissílabo. Não tiro a razão nem critico. A mãe dos meninos poderia ser uma pessoa desse tipo. Mas ela esclareceu: já pensou o menino quando ficar velho e o povo continuar chamando de Seu Tutu ou Doutor Tutu?

Não questionei o projeto da mãe, pois quem dentre nós não quer o melhor para os filhos? E o melhor, para algumas, muitas vezes inclui a pompa e a solenidade de um dr(a) antecedendo o nome do seu rebento. Mas isso é outro papo. O que realmente me chamou a atenção foi o fato de uma mãe jovem ter tanta pressa em tecer o porvir sem se preocupar com a duração de um momento que fatalmente se perderá: o tempo em que Tutu seria apenas uma doçura, um dengo, um cheiro daqueles que ficam na memória e que, vez por outra, voltam quando menos se espera, trazendo junto uma saudade avassaladora.