quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Marina, não sei perdoar...

É verdade, Marina Morena, não sei perdoar, não sei esquecer, não sei deixar pra trás.
As pequenas mágoas, frutos mais da minha vulnerabilidade do que propriamente da intenção, essas eu esqueço, passo a borracha e a régua.
Mas aquelas feitas pra ferir mesmo eu não sei perdoar.
Porque quando alguém que te conhece fere pra valer, sabe o que e onde está fazendo. E isso eu não perdôo. Nem que morra e volte de noite pra puxar o meu pé. Não perdôo. E foda-se porque ainda dói.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Recife tem encantos mil...



Uma caminhada ontem no calçadão de Boa Viagem, no fim da tarde, deu-me uma pequena amostragem, amadora a mais não poder, do tipo de turista que vem para a nossa Veneza Brasileira.

Pelos fragmentos de conversas que ouvi, eram alemães, italianos, franceses e, claro, argentinos. A grande maioria já bem entrada nos quarenta e bote força. É verdade que havia casais também, mas aí a faixa etária já era mais diversificada: casais jovens com e sem filhos, outros, já na meia-idade. Mas, de verdade, o turista típico daqui seria algo como: europeu, vermelho-camarão, desacompanhado (até pelo menos descer do avião) e a caminho da idade do lobo.

Aí fico me perguntando (já sabendo a resposta): o que procura um gringo solitário, na casa dos 40, 50 anos, numa terra quente, de praias cujas águas são um convite a não sair mais e onde a pouca roupa abunda -- em todos os sentidos? Turismo sexual, claro. E de baixo custo. E pedofilia.

Não que esses caras vão procurar as meninas em suas casas. Elas já estão ali, montadas, caricaturadas de veterenas, mas com o frescor que atrai e cuja duração será reduzida pelo uso indevido.

Uma cena, em particular, chamou a minha atenção: uma mulher com uma criança no braço conversa com um gringo que está sentado junto a uma barraca de coco. Ao lado da mulher, e bem na frente do homem, uma menina de seus 11, 12 anos ajeita seus shorts de lycra. Tem um piercing no nariz e dá uma risadinha meio tímida meio marota.O gringo não tira os olhos dela. A baba quase desce. Repugnante a cena. Dá pra ver pela expressão do cara o que lhe vai na cabeça.

Essa mulher poderia estar esmolando. Mas também poderia estar negociando o programa da própria filha. E se assim for, ela tem de agir rápido, pois daqui a pouco a menina vai estar tão usada quanto qualquer outra e o seu poder de barganha vai decrescer.

Lembro da cidade há trinta anos, na minha infância. Claro que havia população de rua, desabrigados das cheias, pedintes. Mas também lembro que havia datas específicas para que os transeuntes tomassem ciência da desgraça alheia: no Natal, por exemplo, época em que as pessoas que podiam consumir iam ao Centro fazer as compras natalinas, encontravam-se famílias inteiras, sob as marquises, pedindo esmolas. Mas eram as esmolas do Natal. A maioria dessas pessoas tinha um casebre, um barraco que fosse para voltar no fim do dia. Lembro que eu costumava juntar brinquedos, tipo esses brindes que vêm nas lembrancinhas de aniversários infantis, colocá-los em sacolas plásticas e entregar às crianças que encontrava a caminho da Viana Leal, loja onde eu escolhia o meu presente de Natal.

O cenário da cidade começou a tomar o corpo que tem hoje, pelo que me lembro, há uns vinte anos mais ou menos. Cada vez mais crianças e adolescentes vivendo nas ruas. Em cada esquina, construçâo abandonada, sinal, circuito de prostituição, lá estavam eles. E nada foi feito. E deu no que deu.

Fico pensando no que a Prefeitura do Recife fez e tem feito nesses dois mandatos consecutivos para solucionar o problema. Sim, porque essas Casas de Passagem são uma verdadeira piada. Havia uma aqui perto de casa. Certo dia, umas 9 da manhã, pude comprovar a sua eficiência. Uma menina magra usando roupas da night, totalmente suja, com cara de sono, batia no portão da Casa com a sua sandália de plataforma: "Abre essa porra!" E não é que abriram a porra mesmo?! Quer dizer, vira a noite e depois vem dormir durante o dia na Casa de Passagem. Legal, passagem feita.

Às vezes, quando amontoa muito e dá na vista, a polícia aparece e recolhe os menores, mas, passado algum tempo, ou eles voltam ou arrumam um novo ponto. E assim o tempo passa, a barriga das meninas nos sinais cada dia cresce mais e vamos todos vivendo da forma que nos é possível.

Claro que Recife é uma cidade bacana, cheia de lugares legais pra se visitar, o Carnaval é multicultural e o meu maracatu é da Coroa Imperial. Mas também é uma cidade suja, violenta e mal cuidada. Não dá para fechar os olhos e simplesmente deixar o frevo rolar...

terça-feira, 29 de janeiro de 2008



Tem dias que eu adoraria ter um desses pra chamar de meu...


Ela deixou de lado todos os destinos e rotas conhecidas
deu um passo à frente movida pela vontade de ver o que havia além daquela muralha:
os sons que vinham de lá falavam de tardes ensolaradas, de paz, de delicadeza
Quanto tempo ela havia perdido na dureza dos dias,
na aspereza da voz que sempre lhe lembrava que, no lugar de asas, ela tinha apenas pés descalços
Mas foi com esses pés que ela decidiu andar
dessa vez sozinha, sem que ninguém lhe dissesse o que fazer, por onde ir
e foi, finalmente,
carregando na bagagem sonhos desfeitos e outros ainda por vir
O mundo, além daquela muralha, não era tão ensolarado, sereno e delicado
como ela, na sua solidão, havia desejado que fosse,
mas era um mundo possível, cheio de coisas para aprender, descobrir, entender
Vez por outra chegavam até ela ecos do que ficou para trás
trazendo dúvidas, arrependimentos, possíveis saudades,
zunindo nos seus ouvidos a fatídica vontade de retroceder e acordar na cama de sempre,
cercada de dias planejados e noites de lágrimas disfarçadas
Como essa trama chegará ao fim ninguém sabe,
mas ela agora suspeita que nunca houve ou haverá certezas.

Pra você.

Fotografia: Paul van Dongen.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Pavor

Foi um sonho medonho/Desses que às vezes a gente sonha/E baba na fronha/E se urina toda/E quer sufocar... (Chico Buarque)



Na madrugada de sábado, tive um sonho pavoroso.
Estava com a minha filha numa feirinha de artesanato, parecida com a do Alto da Sé, olhando algumas coisas numa barraca. Ela estava abaixada pegando uns copinhos, e eu, perto, olhando algo no tabuleiro.

Por uma questão de segundos, desviei meus olhos de Mariana e quando voltei, ela não estava mais. Comecei a procurá-la, mas eu sabia que ela não tinha se afastado, mas fora levada por alguém. Gritei seu nome várias vezes. Com desespero e medo, com uma dor profunda e avassaladora.

Acordei gelada, exausta, meio morta. Na mesma hora, pulei da cama e fui pro quarto dela. Ela em paz e descoberta. Serena, com a expressão que só as crianças conseguem ter quando dormem. Cobri seu corpinho, afaguei o cabelo e beijei sua bochechinha corada. Ela, instintivamente, virou de lado, abraçando a boneca.

Estávamos a salvo.

sábado, 26 de janeiro de 2008

Uêpa, Dona Elba!



Produzido pelo selo Ramax, da própria Elba Ramalho, e distribuído pela Brazilmúsica!, o CD “Qual o assunto que mais lhe interessa?” oferece um amplo painel das referências musicais e das questões contemporâneas que preocupam a cantora. “Este é um projeto de encontros. É um disco de parceiros e amigos. Abro minha intimidade, meus laços de afetos. Tudo começa no sertão, onde estão minhas raízes e mais íntimas reminiscências, e termina no mar, onde encontro a paz”, afirma Elba. O CD – produzido por Lula, Yuri e Tostão Queiroga – coloca em discussão temas como fé, religião, caos urbano, regionalismo e universalidade, que convivem lado a lado neste álbum. O título deixa para o público a escolha por suas preferências.

Isso é o que eu chamo de conduzir o tema da conversa...

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Pergunte que Madame responde




Caríssima Madame,

Eu tenho um amigo que é professor, separado, quase-tiozão, gente boa, e que tem umas das manias mais estranhas que eu já vi: colecionar tatu. Isso mesmo: tatu. Já pensou?

Na casa dele, há tatus de madeira, ferro, plástico, pedra-sabão, entre outros materiais, e de tudo que é tamanho e cor. Quando venta, há uns que balançam o rabinho e, outros, a cabeça. É tatu na estante, no quarto, na sala, na cozinha, até no banheiro! O grande sonho da vida dele é encontrar um tatu de pelúcia pra dormir abraçadinho com ele. Opraí!

Ò inenarrável Madame, que bexiga de mania é essa? Só você pode decifrar este mistério...

Teu eterno fã,
Zé Budega


(Ao som dos clarins de Momo, Madame Ke responde):


Prezado consulente Zé Budega,

Percebo pelo seu interesse de (a)cunho altruísta que você realmente preza essa amizade e se preocupa com o bem-estar do seu amigo.

Antes de qualquer coisa, já que se trata de um cidadão que avança nos anos, previna-o imediatamente sobre o risco de comer tatu. Como já dizia o saudoso filósofo PicaDinho, “Comer tatu é bom, pena que dá dor nas costas.” Isso posto (no sentido agasalhador do termo), diria que essa empreitada exigirá bastante de você, prezado consulente, pois se trata de um distúrbio psíquico bastante grave e raro: constam pouquíssimos casos nos anais, bastante doloridos pelos recorrentes manuseios, da medicina psiquiátrica.

Consciente da sua dura, porém justa (por enquanto...) demanda, muna-se de todo o seu afeto, paciência e perseverança, caro consulente, porque a chapa (não aquela que dorme no copo d´água) vai ferver. Em verdade vos digo e dou fé.

Livrar um indivíduo nessa idade de um vício desse porte não é coisa para amadores, mas sim para iniciados, entendidos como aparenta ser você, prezado Budega. Pois bem, arregace as péias e comece com a parte manual: jogue fora toda essa parafernália de tatus, essa cacarecada toda que só vai agravar mais e mais a enfermidade em questão.

O que conta a seu favor é que dificilmente seu amigo encontrará nas lojas de brinquedos um tatu de pelúcia. Nem a Lionella salva, fio. No entanto, evite que seu amigo vá às feiras livres no interior: aí sim é mais fácil encontrar tatus in natura, empalhados, em telas e em outros formatos que se mostrarão tão ou mais perniciosos quanto os já existentes na coleção do seu parceiro.

Para você ter uma idéia do caráter destrutivo e homofrenético (ui, Leiloca!) dessa doença, revelarei uma informação a qual poucas pessoas têm acesso. Você sabia, José Budega, que o tatu é um animal em cuja ninhada só existem animais do mesmo sexo? Não sabia? Pois é, numa ninhada só haverá machos ou fêmeas, nunca os dois. Essa peculiaridade da natureza revela a incapacidade, desde a tenra infância, de relacionamento com seres do sexo oposto, daí, partindo dos pressupostos freudianos, a explicação para o casamento (suponho que heterossexual) desfeito do seu companheiro.

Por mais difícil que essa moléstia se apresente, caro Zé, não desista. O seu empenho em tirar o seu amigo dessa vida maníaco-depressiva logrará êxito porque não há nada que o amor, a fraternidade entre amigos e a ternura de um bafo quente na nuca não possam superar. Como diria o filósofo contemporâneo Tonho da Manjuba, “É dando que se recebe, não adianta reclamar depois!”.

Atenciosamente,
A Divina, Etérea e Incomensurável,

Madame Ke, A Lenda, O Mito.

Madame Ke é uma personagem mítica, diáfana e refratária que desvenda os mistérios e segredos do ser humano com a graça e a ternura de que apenas as Deusas são capazes.
Mandando o politicamente correto às favas, abra seu coração! Pergunte que Madame responde.


Kenia, seu cavalo e secretária.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Let him rest in peace



Gente, essa especulação toda em torno da causa da morte do ator já está enchendo a paciência.
Uma hora é suicídio. Outra, overdose por drogas ilícitas. Outra, acidente. Acharam pó branco numa cédula de 20 dólares. Examinaram o pó. Não era cocaína.
A autópsia não foi conclusiva, só daqui a mais de uma semana. E a boataria comendo no centro...

Como se não bastasse a perda tremenda -- pra família, pra filhinha de dois anos e pros amigos e aqui nem incluo fãs porque amanhã com certeza outro ator bonitão será a bola da vez e estará ocupando o imaginário e a falta de ocupação de muitos --, a mídia fica reservando espaço demais, tempo demais para uma coisa irreversível. Essa avidez me cansa. Deixem o rapaz descansar em paz, o fato é que ele morreu e pronto, ora. Já tem até igreja homofóbica nos EUA que vai fazer piquete no velório do rapaz por causa do personagem que ele interpretou em Brokeback Mountain... É patifaria de tudo quanto é lado. E o povo fuçando e escarafunchando podres, desajustes e problemas do cara.

Particularmente, acho que a morte dele foi um acidente, uma infeliz combinação de bebida ou outra droga qualquer com as bolinhas ou mesmo a mistura delas entre si. E tudo com receita médica.
Fico me perguntando se esses médicos não costumam prevenir seus pacientes, que pagam pelas consultas o equivalente ao seu peso em Hollywood, sobre a possibilidade de uma overdose misturando isso com aquilo outro. Ou se é mesmo a onipotência desse povo que acha que nada pode atingi-los. Eu, que até me acho razoavelmente esclarecida com relação a medicamentos, quando a dor de cabeça da ressaca aperta, costumo mandar paracetamol pra dentro sem estar nem aí para o fato do álcool mais essa substância poderem me causar um dano fenomenal...

Especula-se que o seu último personagem, o Curinga, do próximo filme do Batman, tenha mexido com Ledger por ser um tipo do mal, com uma energia pra lá de Bagdá, Faluja e adjacências. E nisso a dificuldade de se desvencilhar desse universo tenha afetado o equilíbrio emocional do ator. Ele inclusive declarou que estava dormindo pouquíssimo e recorrendo a remédios por causa da ansiedade dessa nova empreitada.
Acho que tudo piorou e terminou por aí.
Muito ator veterano, quando encarna personagens fortes, densos, não-lineares, tem dificuldade de deixá-los de fora de sua vida pessoal ao sair do set. Anos e anos de experiência amenizam essa passagem diária de um universo para o outro.
E Ledger tinha apenas 28 anos. Talentoso, bonito, dono de uma interpretação marcante. Mas jovem demais, inexperiente demais, verde demais para esses labirintos todos. E sozinho também porque se não estivesse cercado de gente estúpida e deslumbrada com o próprio sucesso ou com o dele, certamente o teriam aconselhado a procurar ajuda profissional e nada disso talvez tivesse acontecido.

O que me dá pena mesmo é a filhinha dele, que pouco saberá do pai exceto pelos relatos dos seus familiares e pela mídia que com certeza ainda trará à tona muita coisa desnecessária.

Generalidades


  • Alguém avisa pro povo do American Express que ligar pra casa dos outros na sacrossanta hora da janta fará com que nunca, jamais, em tempo algum, eu adquira a porra desse cartão.
  • Quem estiver lendo esse blog e for meu amigo, por favor, não me envie esses emails crente-que-são-lindos-e-comoventes em .pps porque eu simplesmente deleto. Atravanca minha caixa postal e, via de regra, trata-se de lixo! Na boa, tá?
  • E bora parar de dar piti por causa de Orkut, pois não? Gente que manda email do tipo: 'Estou limpando meu Orkut, quero qualidade e não quantidade, se você não me mandar uma mensagem, eu te deleto’ é um pé no saco, vamos combinar. Ora essa, se eu for mandar recados diários pras mais de 200 pessoas da minha lista de amigos sem utilizar mensagens em massa, vou passar minha vida lá, né? Carência afetiva se resolve com outras coisas...
  • Fazia alguns anos que eu não ia numa agência dos Correios. Ontem precisei ir e que surpresa agradável: papelzinho com número de espera, ar-condicionado, cadeiras pra amenizar a demora (de sempre!). Deu até vontade de deixar os emails de lado e voltar a enviar/receber cartas... Passei minha adolescência mantendo correspondência com muitos amigos, era bem bacana ficar ‘esperando carta’, dando faniquito e farejando o carteiro tocar a campainha de casa... (Reflexão: o tempo passa e os vícios só dão lugar a outros...)
  • Alguém também precisa avisar a essas muleres mudernas e emancipadas que trabalhar fora muitas vezes dá menos trabalho do que cuidar de filho pequeno. Eu sei do que estou falando, já estive nos dois lados.
    Queria ver neguinha cagar goma tendo um marido que trabalha 95% do ano viajando, sogra e mãe que não podem/não se prestam a ajudar e uma empregada que não dorme em casa, tudo isso com a participação especialíssima de uma criança em plena efervescência dos seus saltitantes quatro anos. É facim, facim... (Reflexão: Mateus que pariu que o crie!)
  • Os próximos dias serão a prova de fogo da eficácia da Maracugina: no sábado, levar Mariana na festa de aniversário da amiguinha de três anos e no restante do fim de semana, sorrir e falar sobre amenidades com os parentes que virão do gelo. O paraíso na terra porque eu mereço...






quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Mudanças



Durante os dez anos em que passei fazendo malas e mudanças, vivia me queixando da falta de raízes, daquela história de ter que sair da cidade quando já havia estabelecido laços, contatos e coisa e tal.

Aí então o tempo passa, a vida muda radicalmente e cá estou eu há quase oito anos fincada na mesma cidade, há quase seis na mesma casa. E deveria estar contente porque as tais raízes estão tão firmes quanto as de um velho jequitibá.

Mas, não, e quem disse que me satisfaço com alguma coisa? E não é que estou com aquela comichão de ver malas prontas (ou por fazer), de embalar, colocar plástico bolha e etiquetar caixas? Aquela ânsia de desbravar vizinhanças, saber onde ficam o supermercado, a farmácia, a escola mais próxima?

Pois é, pois é. Mudanças à vista. Espero que pra melhor.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Heath Ledger



Ator Heath Ledger, 28, é encontrado morto em Nova York

O ator australiano Heath Ledger, 28, foi encontrado morto num apartamento em Manhattan, nos EUA. Ledger ganhou fama internacional e uma indicação ao Oscar após interpretar Ennis del Mar, um dos personagens homossexuais do filme "O Segredo de Brokeback Mountain". Um de seus últimos papéis no cinema foi Coringa do próximo "Batman", ainda inédito.

De acordo com o Departamento de Polícia de Nova York, a morte possivelmente está relacionada ao consumo de drogas. O porta-voz do órgão, Paul Browne, afirmou que Ledger tinha uma sessão de massagem marcada no local, que acredita-se ser sua casa.

Quando um empregado da casa foi avisar o ator que a massagista estava ali, Heath foi encontrado morto.

"O Segredo de Brokeback Mountain", dirigido por Ang Lee, rendeu a Heath Ledger uma indicação ao Oscar na categoria de Melhor Ator, mas a estatueta dourada foi parar nas mãos de Philip Seymour Hoffman por sua atuação no filme "Capote". Ledger também recebeu elogios pelo filme"Candy", no qual vive um dependente químico.


Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u366035.shtml

The Monkees

Numa TV em preto e branco, consumi assim muitas tardes da minha infância. O seriado era o máximo, eu não perdia um!

Sim, sou velha pra caralho. :P

Em redor do buraco tudo é beira!

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quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

São Paulo Fashion Week




A Zoomp antecipa tendência para a Era do Gelo 3. A conferir.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Fly, Robin, Fly





Paul sabe que sou chegada numa velharia, mas dessa vez se superou! Esse álbum triplo é o paraíso dos viciados em naftalina, e os CDs com carinha de vinil são fofos demais.

Good Times, Le Freak (Chic), Get Off (Foxy), Daddy Cool (Boney M), Just an Illusion (Imagination), In the Navy (Village People), entre outras.

Conseguiram juntar todas as músicas que numa sexta-feira dessas, entre um crepe e uma cerveja, tentávamos relembrar daqueles bons tempos em que se dançava 'música lenta'... Good times, indeed.
Aí ontem ganhei de presente por não ter violado a minha condicional. Amei!

P.S. Posso até gravar pra você, mas não empresto.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Phoebe


Percebam a cara de desamparo de Phoebe Peixoto de Mendonça, filha dos amigos Ricardo M. e Flávia P.
Até pra nascer gata persa é preciso ter sorte...
Phoebe, fia, qualquer coisa pode miar alto que eu aciono a Sociedade Protetora dos Animais.

domingo, 13 de janeiro de 2008

Utilidade pública


Alguém teria uma dica, sugestão, mandinga, reza braba etcetera pra infernizar a vida (noturna, de preferência) de um vizinho de cima?

Excetuando perfomances que violem a lei do silêncio após as 22 horas, qualquer ajuda é bem-vinda.

Em caso de eficácia comprovada, dou (no bom sentido) recompensa.

sábado, 12 de janeiro de 2008

Fui acordada zen

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Levantar
Alimentar
Ser alimentada
Lavar
Limpar
Arrumar
Deixar a mente envolvida
A ponto de não pensar
Alimentar
Lavar
Limpar
Arrumar
Esvaziar sentimentos
Ficar como uma folha em branco
Porque a empregada folgou
Voltei a ser zen-budista

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Arrumações

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Ainda sobre a novela de arrumar gavetas, armários e locais passíveis de virar buracos negros.
Comecei quarta-feira passada com toda motivação e garra de que é capaz uma pessoa alérgica, porém consciente da urgência logística e psicológica de tal empreitada.

Pois bem, antes de começar a tecer quaisquer considerações sobre essa aventura assaz empolgante e mística, descobri um truque legal pra evitar os espirros e a coriza que geralmente seguem essas incursões com cheiro de naftalina no final: sempre que sinto que as mãos estão começando a ficar sujas, lavo com bastante sabonete líquido. Porque, além do ar abafado e bolorento, o que pega mesmo é quando o nariz coça e os dedos vão lá socorrê-lo, levando junto poeira, ácaros e todas essas coisinhas miúdas que vão roendo, comendo, arrasando aos poucos o meu ideal do que seja uma fisionomia relativamente apta a ser vista por quem está por fora do riscado.

Assim foi e tem sido porque ainda não acabei: uma verdadeira lição de vida travestida em roupas velhas, perfumes, cremes e remédios vencidos, sapatos sem uso, bolsas sem serventia, anotações e quinquilharias acumuladas ao longo desses anos por pura preguiça de jogar fora ou algum significado oculto que, de tão distante, eu já nem sei qual é...

Na hora do descarte, as dúvidas surgem: será que não vou mais usar mesmo? E se eu emagrecer? E se eu engordar? E se a moda voltar? E se eu realmente não quiser esquecer?

Mas tenho ido em frente, vencendo barreiras e obstáculos rumo à vitória da praticidade e da assepsia, pois mesmo depois de anos, ainda ouço o comentário de uma certa pessoa que um dia me fez ver, de chofre, o tipo de pessoa que sou. "Ela guarda roupa de quando tinha 12 anos." Uma mentira deslavada, mas que mexeu com o meu orgulho, que se fere com uma rapidez incrível.

Sempre soube que as mudanças na minha vida começam pelas gavetas e armários. O danado é que nesses anos não tenho querido mexer neles. Sei que preciso, mas como a última quase acabou com a minha raça, fui protelando por puro medo. Agora não... Acho que quando se chega aos quarenta, a perspectiva do 'ou dá ou desce' perde a conotação sexual e se transforma num lembrete luminoso e insistente avisando que a vida inteira pela frente é mais a força de uma expressão do que uma medida de tempo propriamente dita.

E cá estou eu. Com tudo quase pronto, sem sinal de alergia (toc toc!) e me sentindo um bocado mais leve como sempre ocorre nesses momentos. Cada um se alivia como pode -- armários cheios de tralhas e gavetas abarrotadas de papéis, roupas, pequenos objetos e afins são a minha garantia de sanidade. Por ora, não poderei mais ser acusada de malocar a vela do meu batismo. Mas como também tenho os meus segredos, reservei um espaço bem modesto pra guardar algumas coisinhas sem as quais eu acho que não vivo. Veremos se elas sobreviverão ao próximo saneamento básico, seja lá quando for.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

(Re)aprender

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Preciso (re)aprender algumas coisas, dentre elas:
  1. (Re)aprender a cozinhar;

  2. Aprender holandês;

  3. Aprender a dar menos importância ainda ao que pensam de mim;

  4. Aprender a mandar algumas pessoas pra puta que pariu sem levar mais 40 anos pra isso -- aí não vai ter mais graça porque aos 80 vão achar que é senilidade, quando na verdade é desejo contido;

  5. Aprender a deixar a corda solta e comparecer alegremente ao enforcamento;

  6. (Re)aprender a jogar coisas no lixo;

  7. (Re)aprender a ser mais objetiva e menos elucubrativa;

  8. (Re)aprender a colocar pedras em determinados assuntos;

  9. Aprender que certas coisas (e pessoas) não mudam nunca;

  10. (Re)aprender a ouvir a minha intuição.

(Como diria Fal, esse post hermético teve o patrocínio de Cashemir Bouquet)




segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Ode à TPM

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Tirando o desejo nada cristão de assassinar criaturas, diria que o período mais odiado, defenestrado e combatido por todas as vias e meios, a TPM, é aquele que me dá todas as respostas que necessito para viver com alguma coerência e satisfação comigo mesma.

Não, não enlouqueci de vez ou colocaram algum alucinógeno na minha comida.

Logicamente tirando os inchaços e algumas mazelas físicas ocasionadas pela dita cuja, e também a falta de paciência monstruosa para responder pela segunda vez à mesma pergunta -- situação que, confesso, quase sempre me acompanha independentemente do período do mês --, costumo ter uma relação quase que amigável com a famigerada prévia da semana nada carnavalesca, que é aquela coisa mais que estúpida que nós, mulheres, nos vemos obrigadas a encarar mês após mês, a menos que algum acidente de percurso, reprodutivo ou crepuscular, aconteça.

Digo isso porque é justamente nessa época do mês que costumo ganhar a objetividade que tanto almejo alcançar naquelas situaçõezinhas do dia-a-dia nas quais, por educação, consideração e gentileza, não mando quem de direito pro seu devido lugar.

Sabe aquela coisa de não querer magoar os sentimentos alheios, de ser sempre equilibrada, mesmo que isso me renda uma tremenda enxaqueca?

Sabe aqueles momentos em que a vontade é mais de mandar pra puta que pariu, sem dó nem piedade, mas, ao invés disso, a darling aqui prefere respirar duas, dez, quinze vezes e preservar o que quer que seja?

Sabe aquela de 'releva que a criatura é seqüelada' que muitas vezes impede que se dê um belo chute na bunda, esse sim, que poderia fazer algum bem pra quem se traveste de coitadinho(a) pra se dar bem em cima dos incautos? Sim, o famoso pontapé inicial?

Pois é isso que a TPM me dá em uma semana e a babaquice de ser centrada me tira no restante do tempo.

Mas como nunca é tarde para mudar e eu ainda tenho esperança de lograr êxito nessa matéria, diria que vou me esforçar ao máximo para tentar ser uma mulher assim, digamos, mais tepeêmica, no sentido hormonal mesmo: é a força do Yang que nocauteará o Yin e todos viverão felizes para sempre -- não sei se todos, mas eu pelo menos viverei, sim.

O problema é que eu, em nome de algumas besteiras que infelizmente fui ensinada a respeitar, ultimamente ando sendo boazinha demais e neguinho tem se aproveitado (e como...), sabem? Portanto, creiam, estou em período de libertação paradigmática, ou seja, agora sou eu e o BOPE: osso duro de roer, pega um, pega geral... Desculpem a metáfora tão pouco rotineira no meu jeito manso e poético de escrever, mas é isso aí, folks!

E tem mais alguns detalhes que gostaria de esclarecer a quem interessar possa:

* Se eu não falei com você quando eventualmente nos encontramos, podem ter ocorrido duas coisas: primeiro, realmente não te vi; segundo, não quis lhe dirigir a palavra. Mas, de uma coisa fique certa, se você me pergunta sobre o episódio e eu lhe digo que não falei porque não vi, saiba que não estou mentindo, pois quando não quero falar mais com uma pessoa sequer lhe dou a chance de questionar as minhas intenções.

* Ter amizade ou simpatia por duas pessoas que se antagonizam não quer dizer necessariamente que eu tenha tomado partido de uma ou de outra. Isso é coisa de colegial, algo que já não sou há muito tempo. Trate de não ser você também: não me julgue a partir do próprio umbigo.

* Não adianta: tem pessoas que nem pintadas de ouro e cravejadas de brilhantes terão minha simpatia ou amizade de volta. Fazer merda tem limite...

* Não ajo por interesse. Se digo que gosto de alguém é porque realmente algo nessa criatura me soa verdadeiro. Até que me provem o contrário.

* Quando tiver alguma dúvida com relação a alguma atitude ou palavra minha, pergunte a mim e não dissemine uma opinião infundada. Não gosto de fofoca e ver meu nome envolvido nelas, tampouco. Como disse antes, não sou mulher de recados, apesar de, às vezes, precisar ser didática como agora.

* Não tenho culpa dos seus traumas de infância, também tive os meus e sobrevivi. Só não venha fazer a releitura deles envolvendo a minha pessoa porque não sou sua mãe, pai, madrasta ou quem quer que tenha te mutilado emocionalmente. Cansei de querer dar uma de band-aid da humanidade.

* Geralmente procuro ser uma pessoa justa, conciliadora e não sou de colocar lenha na fogueira dos outros. Prefiro jogar um balde de água gelada. Mas, olha, não abusa porque não é todo dia que estou com paciência pra ouvir problemas alheios porque, via de regra, quase ninguém se preocupa em saber quais são os meus.

* Detesto que peguem as minhas coisas sem pedir, por menores que sejam. É muito clara a regra: o que é meu, é meu. O que é seu, é seu. Dependendo de quem e do quê, até posso emprestar, mas peça.

* Se você me acha prepotente, arrogante e metida, está coberto(a) de razão: cada um tem a minha versão que merece...

Resumo do post e da ópera: estou bem e no perfeito uso das minhas faculdades, quaisquer que sejam elas, só não tire muita onda comigo porque o mar não tá pra peixe e a terceira Lei de Newton foi definitivamente acionada.

domingo, 6 de janeiro de 2008

...

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Meio sem assunto pra post.
Pode ser ressaca de blog novinho em folha? Creio que não.
Reconheço que minhas fases mais produtivas em termos de escrita se dão em momentos de profunda tristeza, raiva, desespero, vontade de esganar alguém, enfim, as coisas saem quando estou prestes a explodir e me tornar uma serial killer, um ser anti-social ou algo que o valha.

Ah, idéias pra textos também me vêm à cabeça quando caminho. Não numa caminhada qualquer, daquelas utilitárias, mas naquelas disciplinadas, com hora e distância cronometradas.
Como não ando à beira de um ataque de nervos e minhas caminhadas estão em stand-by, fico assim sem ter/saber/querer escrever. E justo agora que arrumei coragem e resolvi criar o tal blog...

Sobre ele, já me perguntaram por que Leite de Cobra. Confesso que tentei outros, que pareciam mais comigo etcetera e tal, no entanto, alguém chegou antes e se apossou deles... Daí, lembrei do Leite de Rosas. Como não sou exatamente uma flor de pessoa (e me orgulho disso!), resolvi assumir meu jeito quase sempre ofídico de ser. E o leite dá toda uma nuance maternal, porque quem me conhece sabe que depois que virei mãe, ando deixando muita coisa por menos. Pura falta de energia combativa, também confesso.

Enfim, ando às voltas com gavetas e papéis desarrumadas e acumulados ao longo dos últimos sete anos. Esse ano decidi começar zerando certas pendências e elas, simbolicamente, passam por essas arrumações.

De vera, de vera mesmo, começo pro mundo a partir do dia 14 de janeiro, uma segunda-feira, dia de seriedade e sisudez pra se iniciar qualquer coisa -- isso se a droga da poeira e do mofo não me derem uma rasteira antes.

Não fiz promessas nem tracei objetivos pro ano novo. Organizar essa bagunça toda tem o peso de uma lista enorme. Quem sabe bem de mim sou eu...

sábado, 5 de janeiro de 2008

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Que animal você foi numa vida passada?

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You Were a Crow



Eternally wise, you have a deep understand of ethics.
You guide people from the darkness to the light.
(Eternamente sábia, você tem uma profunda consciência ética. Você guia as pessoas da escuridão à luz).

Sempre dão um jeitinho de descobrir os meus segredos. :P

http://www.blogthings.com/whatanimalwereyouinapastlifequiz/

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

14 de julho



Hoje faz três anos que ela se foi.
Eu estava grávida e a notícia me foi dada da maneira mais delicada possível pelas pessoas com as quais ela viveu nos seus últimos anos.
Mesmo assim, foi de uma tristeza profunda. Abissal.
Porque ela foi a minha mãe e nossa ligação era tão forte, mas tão forte que ela sabia o que se passava comigo, mesmo à distância.
Durante os muitos anos que morei longe, sempre que lhe telefonava ela dizia: Kenia, sonhei com você chorando tanto... Aconteceu alguma coisa?E tinha acontecido mesmo. De problemas grandes a meras tristezas sem motivo, mas que me afetaram de alguma forma. Ela sempre soube.
Mesmo não a tendo mais na velha boa forma, sendo nos últimos anos uma sombra do que foi, o adeus foi muito difícil. E ainda é.
Porque vivemos de lembranças e nelas as pessoas que amamos estão sempre lá, presentes na sua essência, fortes, saudáveis.
E que fortaleza ela era. Às vezes beirava a brutalidade. Seu jeito era determinado, bravo de lutar pelas coisas que ela julgava certas.
Hoje eu sei que nem todas eram, que seu sofrimento em parte foi provocado por esses equívocos.
Mas consigo entender seus motivos e meu amor por ela em nada diminui. Só aumenta com o vácuo dessa saudade hoje tão funda mas mansa.
Senti tanto a sua falta nesses dias todos. Sei que onde você estiver deve ter sonhado comigo porque chorei tanto...Tive tanto medo, acordei de madrugada sem rumo, com a garganta apertada...
Sei que você sofreu comigo e lutou por mim como sempre fez.
Lembrei de quando eu era pequena e adoecia.
Era nessas horas que a sua couraça caía e eu via a cor da sua ternura, que em outras horas era apenas demonstrada através de atos.
Porque uma criança precisa de carinho físico... E nessas horas, quando eu estava doente, sentia o afago da sua voz porque tocar sempre foi muito difícil para você.
Então eu gostava de adoecer...
Hoje entendo e agradeço cada vez mais por tudo, especialmente pelo que você não fez. Porque simplesmente não pôde.
Tento aprender com as lições que você me deixou. As boas e as más. E sinto tanto a sua falta...
Hoje é uma dor mais serena, que respeita o fim do seu tempo, mas que nem por isso deixa de causar-me um aperto no peito nos momentos mais inesperados.
É uma dor física, um desespero rápido e fulminante que, quando vem, só consigo dizer Ai, meu Deus!, como se fosse uma pequena e certeira morte...
E aí sinto que me falta o chão... As palavras, pensamentos, tudo. É nessas horas que sinto uma solidão completa e esmagadora.
Hoje faz três anos e eu não consigo dizer adeus. Acho que nunca conseguirei.
Porque você está presente em tudo, em todas as coisas que aprendi com você. Em todas as lutas que vi você travar. Em todas as perdas e ganhos que presenciei nos muitos dias e noites das nossas vidas.
É por isso, talvez, que não haja necessidade de dizer adeus. Já me acostumei um pouco com isso, mas às vezes é impossível não querer de volta tudo que tivemos.

Kenia Mello

Nina



A idéia de envelhecer ao lado da pessoa que amo me emociona bastante.
Sempre pensei no amor assim, e tive o privilégio de assistir a uma bela história de amor.
Minha tia-avó, Nina, foi uma das pessoas mais doces que conheci. Sua casa vivia cheia dos muitos filhos, netos e sobrinhos que tivera. Sua delicadeza se estendia a todos que sua voz baixinha e suave tocava.
Era uma mulher pequena, frágil, sincera. Ouvia muito e falava pouco, mas com serena firmeza.
Pelas suas mãos, morangos, flores, quadros e filhos nasceram e enfeitaram sua vida.
Havia também o grande viveiro de pássaros no quintal, onde toda manhã ela entrava para matar a fome de alimento e de sua presença que os bichinhos, em festa, saudavam.
Até Sheik, o pastor alemão, que vivia no fundo do imenso quintal e cuja fama aterrorizou minha infância, comia na mão dela os pedacinhos de pão que lhe foram reservados do café da manhã.
Madrinha Nina, na verdade madrinha da minha mãe, mas chamada assim de empréstimo por mim, foi quem me contou que "toda mocinha recebe um presente mês a mês e por causa dele, um dia pode ter bebês que vão ser sua alegria para sempre".
Morava em Belém quando soube da sua morte. Não chorei. Li a carta que me trouxe a notícia com calma e serenidade. Acho que fui tomada pela sua presença, pelo seu espírito que acreditava em ciclos e passagens.
Madrinha Nina se foi como viveu: sem alvoroço, em paz. Com a cabeça pousada sobre as pernas do seu marido e companheiro.
Não sei por que só pude chorar sua ida agora, quase vinte anos depois. Talvez eu tenha perdido um pouco da doçura que aprendi com ela. Ou agora que sou mãe como ela tão feliz o foi, pude sentir que plantar morangos e flores, pintar quadros e parir filhos pode ser aquilo que damos o nome de felicidade.

Kenia Mello

Quando nasce um filho

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Quando nasce um filho,
Nos pegamos cheios de medos:
De não sabermos cuidar, alimentar e consolar;
De não conseguirmos segurar a barra do cansaço, das noites insones, das olheiras que aumentam mais e mais;
De não sobrevivermos às mudanças, mesmo sabendo que agora temos de fazê-lo por alguém que precisa de nós;
Medo de adormecer com aquela coisinha pequena no braço e derrubá-la no chão;
Medo de nunca mais termos de volta a nossa vida, a própria vida, porque o tempo parece ter adquirido vontade própria;
Medo de um choro repentino assim que conseguimos, finalmente, fazê-lo dormir;
Medo de que não arrote, medo de que não nos queira bem, medo de que sinta uma dor qualquer que não se possa apaziguar;
Medo do inseto que fira, medo da água estar fria ou quente demais, medo que a roupinha irrite a pele tão fina...
Esses são os pequenos e primeiros medos, que somem com os dias e dias que virão...
Esses darão lugar a outros porque a vida agora assume contornos mais reais e essa criatura é tão pequena, tão indefesa...
Depende tanto da nossa lucidez, que, a trancos e barrancos, conseguimos manter...
Mas, depois que nasce um filho,
Um amor tão, mas tão grande transborda de dentro do peito
Que a noção do nosso limite se perde.
Não há palavra, afago, ou lágrima que consiga drenar essa loucura tão misteriosa,
Que é amar alguém assim, tão em profusão.
Aí todos os medos, os grandes e os pequenos, sucumbem
Porque esse amor tão insuspeito
Nos ensina que a medida pra amar alguém assim é deixar
Que essa mão pequenina leve o nosso coração pelos caminhos desconhecidos
Numa história sem fim
De um amor que desconhece o medo.

Kenia Mello

Velhas tardes

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“Daniel Boone was a man, /Yes, a big man! /And he fought for America /To make all Americans free!...”

Essa era a trilha sonora das tardes de minha infância, lá pelos idos de 1970.
Era a música de um seriado, que contava as aventuras de Daniel Boone, personagem verídico da história da colonização norte-americana, no século XVIII.
Daniel Boone foi um dos mais importantes colonizadores do Kentucky e a série televisiva mostrava sua luta pela sobrevivência e da sua família em meio aos índios, bandidos e aventureiros inescrupulosos, animais selvagens, invernos rigorosos etc., tudo isso temperado com altas doses de heroísmo, como não poderia deixar de ser.
Lembro perfeitamente das personagens: o próprio Daniel; Rebecca, sua esposa; Jemima e Israel, seus filhos; o índio Mingo; Cincinnatus, o dono da taberna.

Todo dia, às cinco horas da tarde, começava o seriado, exceto aos sábados e domingos.
Eu tinha uns sete, oito anos e esperava ansiosamente por essa hora do dia. Claro que hoje, dispondo de muitas informações sobre o que foi a colonização norte-americana, da maneira cruel como dizimaram as populações indígenas, seria politicamente incorreto assistir a um programa desses.
O pequeno trecho da música de pronto daria respaldo para uma crítica social justa já que, para dar a liberdade aos brancos colonizadores, foi preciso assassinar, roubar, saquear, tomar terras, e empurrar os primeiros americanos, que lá viviam em paz e liberdade, para reservas muitas vezes desprovidas de recursos naturais adequedos à sua sobrevivência.
Mas aos sete, oito anos da minha infância, a vida era bem mais simples, menos cheia de discursos politicamente corretos. A distinção entre bandido e mocinho era muito clara. O Bem sempre vencia o Mal e, no final, todos eram felizes para sempre. Bons e velhos tempos... E melhor ainda era poder acreditar nisso cegamente. Rir com aquelas piadas bobas, chorar com os fracassos e perdas, com o duro inverno que espreitava a cabana de madeira, que era a casa dos Boone. Velhos e bons tempos aqueles...
E junto comigo estava meu avô, minha companhia constante nessas tardes cheias de índios, mocinhos, bandidos e bang bang.Tínhamos um acordo tácito.

Assim que minha avó ligava a TV, eu ia até o nosso quintal e gritava: Bobô, Daniel Boone!
Ele geralmente estava na Outra Casa – era assim que todos chamávamos a construção que ficava no fundo do nosso quintal e que lhe servia de tipografia, lugar de descanso e escritório.
Era uma pequena casa de um quarto, saleta, copa e cozinha, irremediavelmente cheia de livros, material de trabalho, uma rede onde descansava, muitas estantes, seus apetrechos de caça, suas coleções de moedas e selos, seus discos, suas escondidíssimas revistas Pasquim, que eu lia clandestinamente, enfim, era uma outra casa mesmo, onde hoje sei que realmente vivia o meu verdadeiro avô, sempre tão reservado na casa da frente, mas tão cheio de gostos e individualidades que só hoje vou descobrindo aos poucos, à medida que essas lembranças resolvem me visitar. E lá vinha ele. E eu ficava nervosa se ele atrasasse. Mas isso quase nunca acontecia. Meu Bobô sempre fez as minhas pequenas e grandes vontades, quando e como pôde.

E assistíamos ao tal Daniel Boone.

Uns dez minutos depois, passava o pipoqueiro, sempre na mesma hora, na rua em que morávamos.
E ele também sabia que tinha um papel importante nessa rotina: não passava da nossa casa sem antes parar e dar suas buzinadas. Então, eu abria a porta e com duas moedas, cujo valor nem lembro mais, pegava dois sacos de pipoca. Uns sacos cor de madeira, e elas eram deliciosas. Até hoje ainda gosto dessas pipocas e, apesar do sabor não ser mais o mesmo, elas ainda evocam, por uma fração de segundos, um pouco daquela felicidade diária.
Lembro que meu avô fazia alguns comentários que eu não entendia.
E não adiantava que eu lhe perguntasse. Ele não os repetia ou explicava, apenas fingia que não tinha me ouvido e seguia vendo o seriado.
Ele não queria mesmo que eu entendesse, pois sabia que, mais cedo ou mais tarde, eu perderia aquele encanto ingênuo com o qual via o mundo através das aventuras de Fess Parker. Era o meu mundo tão cheio de pequenas alegrias, de tantos livros em estantes abarrotadas, de revistas proibidas, de conchas trazidas de longínquas praias...
Aquela Outra Casa, a qual eu pertencia mais do que a qualquer outra que um dia eu viesse a ter.

Kenia Mello

Ode aos compulsivos guardadores de bugingangas

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Pequenas caixas, contas de colar, bilhetes, folhas secas, mechas de cabelos enroladas por uma fita azul,
Uma concha do mar quebrada, um recorte de revista, um olho cego de boneca, um carretel de linha,
Uma pulseira, um pequeno broche, um vidro de perfume vazio
E uma folha de papel amarelada
Onde escritas estavam aquelas palavras
Deixadas assim ao acaso
Como se quem as escreveu fosse voltar algum dia e retomá-las de onde parou
O que a teria arrebatado?
Um chamado? Um barulho irregular? Porque de vontade própria é que não foi.
Como alguém pára assim, à queima roupa, de escrever aquelas coisas?
Não. Que ninguém é louco de se deixar partir em pedaços e depois simplesmente se esquecer de voltar.
Algo a deteve. Algo talvez maior que aquelas palavras.
E aonde ela foi? O que fez? Por que não retornou à folha e ao lápis?
O que lhe interrompeu o regresso?
Só sobraram as palavras já desbotadas e os pequenos objetos.
Eles são pistas, são signos, são rastros dessa pessoa.]Como interpretá-los sem ser arrebatado por eles?
Como entendê-los resistindo ao desejo de lhes enfeitar a existência, dando-lhes uma aura que nunca tiveram?
Porque são objetos velhos e pronto. Sequer são velhos objetos - se é para largar o tom de devaneio, que se comece pela sintaxe, então.
Por que não encarar as palavras deixadas à toa como um ato de própria vontade?
Nem tudo nasce para florir ou enfeitar, mas que mania de amenidades!
Um pedaço de papel largado em meio a objetos sem uso. Eis o que são.
Por que deveria haver uma realidade sob a superfície? Por que haveria ali uma vida que fora interrompida?
Um ato banal, uma mania mofina de guardar cacos velhos, um princípio de loucura, quem sabe?
A vida não precisa ser dourada. É tempo de aceitar seu cinismo indisfarçado.
É hora de jogar no lixo as caixas velhas, cheias de objetos inúteis, que teimam em permanecer por bem das suas histórias.
Mas que histórias? Em breve elas sequer existirão. Que sejam libertadas agora, enquanto o ato seja de decisão e não de assepsia.

Kenia Mello

3 de agosto

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Mais uma data cheia de saudade. Muita saudade mesmo...
Vinte cinco anos atrás, foi a vez do meu amado avô, Belmiro, despedir-se de nós.
Eu tinha quatorze anos na época, mas a minha alma bem mais velha viu sua partida como a concretização de um pesadelo recorrente.
Talvez por ele ser mais velho e frágil que a minha avó, sempre tive um medo secreto, uma espécie de sobressalto, que me dizia com uma urgência constante que não haveria muito tempo...
É esse o ponto cruel de se criar netos como se filhos fossem... O tempo não se importa de quebrar um coração que ainda não está afeito a esse tipo de revés...
Perder o pai ou a mãe (ou qualquer pessoa que simbolicamente os represente) é uma experiência extremamente dolorosa mas necessária.
Depois da dor tão funda, fica um vazio, um buraco no peito tal que qualquer sofrimento futuro já encontra um espaço de aceitação, de naturalidade e consolo. Tudo isso num coração que, uma vez partido, começa a reconhecer-se nos próprios cacos e recolhe-se como quem paga um tributo, oneroso mas obrigatório.
Falar dessa ausência hoje é algo menos doloroso ou talvez seja a natureza da dor diferente, menos adolescente, menos dilacerante. Quem sabe seja isso fruto de um acordo entre ela e o tempo, o antigo algoz.
O tempo, que nos deu tão pouco dos seus anos, resolveu se penitenciar, fazendo um afago desajeitado como querendo desculpar-se por tantos estragos...
Mas nem sempre foi assim. O vazio dos primeiros anos criou em mim uma vontade avassaladora de medir o mundo dos pés à cabeça, uma força desafiadora de tentar chegar em todos os meus limites, como se eu quisesse extrair da vida toda cota de sofrimento de uma vez, para não ter que baixar a guarda novamente e sentir essas coisas com as quais eu não sabia lidar.
E assim se passaram os anos. E o que ficou dessa perda toda foi uma serenidade que se aloja em algum lugar secreto meu e vive me dizendo, nos momentos mais difíceis, que qualquer dor pode ser bebida até o fim. Com calma e sem pressa porque, qualquer que seja ela, é imperioso que seja cumprida.
Na verdade, nós nunca nos separamos. Pena que só pude entender isso tanto tempo depois. Mas de nada adiantaria saber antes: eu não teria ido tão longe à sua procura e nada do que sou talvez fosse possível. Quem saberá?
E isso era tão verdadeiro, a nossa permanência juntos era tão real... Como eu não fui capaz de percebê-lo?
Houve momentos que senti sua presença de modo quase material, palpável... Mas isso já faz muito tempo.
Às vezes de forma mais intensa como nos sonhos em que você me dizia coisas que certamente fariam parte das nossas conversas, caso nossa convivência não tivesse sido interrompida.
Infelizmente já não sonho mais com você. Mas também não acordo mais agoniada, ferida, perdida. Tudo tem um preço e uma compensação...
Hoje, lembrando essa data, sinto uma distância tão grande entre nós... Vinte e cinco anos. Muito tempo. Fico pensando se o reconheceria se esbarrasse em você na rua. Porque o tempo consola, mas também apaga as feições de quem não vemos há muito. Ainda bem que ficaram vários retratos como esse em que você passeia ao lado da minha vó, fumando seu inseparável cigarro.
E é nessas horas que a menina que fui volta com toda força e pensa nesse impossível esbarrar na rua.
E vêm todas aquelas lembranças e, com elas, a minha espera na janela pra te ver chegar, quando você saía e demorava eternidades. Ao te ver voltando, dobrando a esquina da nossa rua, meu pequeno coração se enchia de festa e nessa trégua que me dava aquela tristeza futura tão certa, eu era feliz como qualquer criança pode ser.

Kenia Mello

O outro lado

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Quem me vê assim serena e clara, andando sempre com passos precisos e atentos ao chão,
Não me sabe criatura noturna, onírica e sombria que se abriga, secreta e silenciosamente, em desvãos, sulcos e frestas
De um coração selvagem, turbulento, sem calmarias previstas ou possíveis.
Um mar oculto a duras penas, às vezes plácido, às vezes revolto, que tem somente o brilho noturno da Lua
Como testemunha da sua existência solitária.
Esse mar, imenso e exausto, enterrado tão profundamente no peito,
Em noites de desassossego, sangra-me a pele
Em horas de calmaria, embala-me o sono em ondas.

Não, não me quero apenas luz e placidez.
Quero também essa metade indomável, livre
Por vezes confusa, anárquica e deslocada,
Que não espera nada que não venha de si
E que não se espanta com as velhas novidades que o vento lhe sopra.

Esse outro lado foi tecido e fiado sem que dele eu percebesse a existência:
Quando vi, já estava completamente imersa em suas águas, e pude sentir, nele e em mim,
Seu gosto salgado, sua força de correnteza áspera e ininterrupta.
Hoje sei que é ele que me mantém em terra firme
A despeito dos redemoinhos, das perdas, do mau jeito com que às vezes se faz presente
E que me deixa ferida, doente, amarga.

Tentando navegar no seu curso incerto que vou desvendando o meu também.
Vou colando pedaços que ficaram para trás, na poeira dos anos,
Vou percebendo que não dá para viver apenas de nuvens brancas e areia fininha
Porque a vida é furacão, galope e ladeira infinda.

Ao mergulhar nele sem medo, venho à tona um pouco mais velha e cansada.
No entanto, mais serena e calma, e sigo andando sempre com passos precisos e atentos ao chão...
E é assim que sou vista...
Contudo, sei que alguns olhos pequenos e úmidos
Desnudam-me com aquele velho sorriso de reconhecimento,
Com uma solidariedade muda e tácita que apenas os sobreviventes possuem
E eles sabem exatamente o que trago no peito
Porque são donos de mares secretos também.

Kenia Mello

Tem quem agüente?

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Ando meio sem paciência pra certas coisas que acontecem no dia-a-dia, mas que quando se está no limite, assumem os contornos de verdadeiras afrontas ao humor, inteligência, sensibilidade, higiene e demais afins. E não tem nada a ver com TPM, não, viram? Trata-se de pequenas coisas que só vêm a provar que determinadas pessoas foram educadas numa pocilga ou num estábulo - que me perdoem os reais habitantes desses recintos...

E quem agüenta?

Entrar no MSN. Estar ocupada, colocar o status "Busy", tentar se concentrar no que está fazendo. De repente: "Ei, você está aí?" "Está ocupada?" Nem respondo mais. Porque não há quem use esse ou qualquer outro programa de bate-papo que, mesmo sem saber inglês, desconheça o significado oculto, messiânico e abissal desse status.

Ainda no MSN.

O lado oposto da história. Alguém que sabe muito bem o que significa "Online", usa o dito cujo, se ausenta do computador e quando alguém tenta contatá-lo (a), acha ruim, injuria-se e coisa e tal. Será que alguma divindade hindu poderia traduzir pra essas criaturas a palavra "Away" e todas as suas implicações filosóficas? É por essas e outras que detesto o MSN. Só uso mesmo quando quero fazer hora ou quando é o meio mais rápido para falar com quem preciso. E só.

Cinema.

Adoro.
Mas tem coisas que exasperam...
Criaturas ruminando pipoca é uma delas. A mãe não ensinou que é feio (e nojento) mastigar de boca aberta, não? Porque ninguém é obrigado a ouvir cada croqui de pipoca mastigada, né? Tomem tento e aprendam com as cabras, elas sabem das coisas.

Outro dia, fui assistir a Pecados Íntimos, filmaço, numa sexta, estréia e tudo mais. É o tipo de filme que não atrai muitos adolescentes, que salvo raríssimas exceções, estão cada vez mais mal-educados. Só tinha terceira, ops, melhor idade (não me perguntem a razão porque desconheço, quando eu chegar lá talvez descubra...). Pensei: vou me dar bem. Sem bagunça, celular tocando, quiquiqui, ruminâncias e outras cositas mas.

Ledo engano. Três poltronas depois de mim sentou-se uma distinta senhora de cabelos alvíssimos e pacote de balas imenso. Literalmente chupou e resfolegou umas três antes do filme. E eu me contorcendo... A sorte que chegaram mais pessoas e ocuparam as cadeiras. Sobrou uma junto da minha. Sentou-se um melhor idade. De sorvete na mão. Cena erótica e imprópria pra menores se seguiu e, claro, com sonoplastia e tudo! O que me consolou foi saber que o sorvete uma hora teria que acabar... Mas restava sempre o casquinho. Mesmo pensando que poderia haver a possibilidade de ele desprezá-lo, nem me empolguei com a lembrança e aceitei o pior, porque quem toma sorvete com aquele ímpeto jamais desprezaria o casquinho. Coisa de gente sem religião... Mas agüentei, sorte que o filme valeu e pior seria se o babão sofresse de incontinência flatular. Bora jogar o contente, né?

Academia.

Chego depois de deixar Mariana na escola. Atrasada (eu), uma série monstruosa e todos os aparelhos que eu vou usar ocupados.Uma infeliz vira pra mim e pergunta: "Quem foi eliminado?" Como assim, Bial? Olha bem pra minha fisionomia e me diz se eu tenho cara de quem assiste ao Big Bródi. Te assunta, sujeita!

Tenho o sono leve. Acordo por nada e depois pra dormir é complicado.Meus vizinhos de cima, que eram uns amores, mudaram. Dei graças a Deus, porque a despeito de serem miguxos e fofuchos, eram barulhentos demais.

No lugar, veio morar um melhor idade, sozinho, apenas com a empregada que o acompanha desde o Neolítico. Perfeito! Minhas preces foram atendidas... Só que pro meu infortúnio, o namorado dele parece que mudou em definitivo para a residência e reformas foram feitas, amigos. E como! Só essa semana fui acordada duas vezes depois das 23h porque o arrastado de móveis estava comendo no centro. Deve ser uma nova modalidade de sexo geriátrico. Só imagino a trilha sonora... Depois falo pra vocês se o creme pra hemorróidas funciona, viram? Pras olheiras, lembram, mentes porcas?

Quarta-feira. Eu e Gláucio na fila da lotérica antes das Cartas de Iwo Jima - sim, levamos muito a sério o post da Mega-Sena acumulada. Fila da besta-fera, diga-se de passagem. Um caixa reservado pra Idosos e Deficientes mediante documento, claro. E tem documento que ateste deficiência? Essa eu não sabia. Uma mulher grávida se dirigiu a esse guichê reclamando porque também deveria ser atendida ali. Claro que sim e foi. Depois dela, um japa do interiorrrr de San Paulo foi pro mesmo guichê e quis ser atendido. Nem era idoso, nem deficiente (físico pelo menos...), mas alegou que não tinha escrito Grávidas e que gravidez não era doença. Ainda acrescentou que a barriga da mulher poderia ser gordura e sendo assim, ele também estava grávido. Queria ver esse fela de chocadeira agüentar uma fila com um barrigão de nove meses. Eu sei do que estou falando. Misoginia tem limite, safado.

E falando em contar, lá vem Mariana com um livrinho. Começa a contar as estrelinhas de uma gravura: um, dois, três, quatro, cinco... Beleza! Depois que passa de dez: onze, quatorze, dezessete, dezeoito... E não pode corrigir, viu, mãe?! Adoro a Pedagogia Muderna...

Passa das 22h, dia de semana.

O telefone toca. Eu antendo com voz de sono. Do outro lado, perguntam: "Tava dormindo?" Eu respondo o quê? Quem me oferecer a resposta mais educada ganha dois BIS! É por essas e outras que quando os dois moradores adultos dessa residência se recolhem, os telefones fixos e celulares "vão estar sendo imediatamente desligados". Quem achar ruim que não deixe recado.

Como se não bastassem essas coisinhas miúdas roendo, comendo, amassando aos poucos o nosso ideal, como cantaria a filha mais velha de Dona Canô, ainda tenho que ouvir desaforo do porteiro aqui do prédio só porque eu tive a ousadia de mandá-lo fechar o portão da garagem, que jazia escancarado, dando sopa pra bandidagem, enquanto ele paquerava na portaria uma babá muito dadivosa, que lhe contava todos os seus pobremas pessoais... Dei parte à síndica, que é um@ mulher arretad@, solidária e que leu na atitude do porteiro uma postura machista e desrespeitosa, que não aconteceria caso a queixa partisse, por exemplo, do macho do meu marido. Sacaram? Rua pro safado, que além de querer dar uma de galo na frente da pobremática, ainda deixou de cumprir a sua obrigação. E eu nem fui dormir com a consciência pesada porque o cretino é terceirizado: não foi demitido, vai cantar em outra portaria. De preferência, nos quintos dos infernos.

Mas essas coisas, bem sei, são passageiras. E são ninharia comparadas com a imensa alegria que senti quando, ao sair do supermercado com duas sacolas na mão - na mão, atentem, e não nas mãos porque eu malho braço, minhas senhoras e senhores! -, um cheira-cola virou pra mim e disse: "Quer que eu leve?" Como eu fiz que não ouvi, ele repetiu: "Ei, coroa, quer que eu leve?"Pra quem está a um mês e seis dias dos quarentinha, eis que uma injeção de botox dessas faz um bem danado, concordam? Mas sabem de quem é a culpa? Das zelites que vão ao supermecado e não deixam os trombadinhas carregar suas sacolas até em casa. E são trombadinhas com dupla jornada de trabalho, coitados. De dia cheiram sua colinha e ajudam a carregar as compras das zelites e de noite batem carteira, colocam fogo nas lojas das redondezas e tal e pá. Sou do pedaço e sei das paradas, tão ligados?
Eu preferia estar Away...

Kenia Mello

Mestre Lau, com carinho

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Fui uma pessoa criada por pessoas antigas.
E pessoas antigas têm costumes antigos.
Lembro que a minha avó costumava seguir rigorosamente os seus impulsos no que diz respeito a não desafiar o tempo.
Cansei de ouvi-la dizer que iria visitar algum parente ou amigo porque sonhara com ele de véspera e, por isso, acreditava que poderia ser alguma espécie de chamado. O motivo não interessava. Doença, saudade, morte, aperreio... Isso não era muito importante. Urgia que apenas fosse.
Ou então, era aquele zelo com alguém doente: não conseguia passar três dias sem notícias da pessoa em questão sem que isso não lhe despertasse temores, culpas e alguma inquietação.
Eu, criança, achava tudo aquilo meio maníaco, aquela sofreguidão toda me parecia desproporcional...
Na minha inocência infantil, não percebia que o tempo tinha para nós significados bem distintos.
Sem contar que no antigo daquele tempo da minha avó, havia mais espaço para reter com firmeza e proximidade os cordões que a uniam àquelas muitas pessoas. É o que hoje em dia, moderna e superficialmente, chamamos de conexões pessoais. Cresci assim, num ambiente onde as pessoas se visitavam, preocupavam-se com as outras, mesmo não sendo tão próximas ou não tendo, necessariamente, algum grau de parentesco.Vivia-se assim. Dava-se atenção aos sonhos, às lembranças que abriam a porta sem razão aparente. Havia muito mais tempo nesse antigo tempo que em que vivi.
E não precisava ter algum afeto envolvido, não.
Lembro de algumas ocasiões em que o motivo das preocupações era alguém por quem minha avó às vezes até nutria algum sentimento menos nobre: alguma vizinha com quem não falava havia anos, alguma amiga cuja convivência fora interrompida por uma mágoa calada, mas ainda dolorida...
No entanto, bastava que algum sonho tenebroso a espreitasse ou mesmo que soubesse por terceiros que a criatura perdera o marido, quebrara uma perna ou simplesmente quisera vê-la por causa também de um sonho da mesma forma assustador, que lá ia ela, despojada das antigas rusgas e senões.
Porque ela sabia que amanhã poderia não ter outra chance. Era preciso aproveitar as deixas que a vida dava e fazer o que tinha de ser feito.
Aquilo era o que ela acreditava ser justo e certo. Talvez não por convicção, bem sei, mas por respeito e temor. Ela tinha a certeza de que não dá para blefar com o tempo...
Hoje sei que essa urgência é resultado da percepção do próprio envelhecimento.
É assustador ver pessoas, lugares e objetos sendo tragados pelo tempo. É inevitável que se sinta medo. Medo das perdas, por mais que elas já tenham sido vividas.Sempre haverá algo que nos é mais caro hoje, que não tínhamos ontem e que, com certeza, não teremos amanhã.
Haverá, a cada dia que se passa, algo a deixar para trás, a despeito do que se tenha em troca ou do que sobre e possa ser reconstruído.
Passei o dia inteiro remoendo essa certeza, a qual já vinha experimentando há algum tempo.
E não sem razão.
Quando damos as costas a uma parte da nossa vida, por motivos os mais variados, às vezes sentimos vontades e saudades que insistem em nos levar de volta aos velhos lugares e pessoas, os quais, por egoísmo ou ingenuidade, julgamos imutáveis, fincados nos mesmos pontos em que os deixamos.
Nos últimos anos, tenho sentido uma vontade imensa de reencontrar algumas dessas pessoas que ficaram lá atrás na poeira dos anos.
Mas confesso que não tenho aquele talento para as urgências que tinha a minha avó.
E hoje me dei conta disso de maneira clara. Em meu favor, teria muitas justificativas a dar, desculpas aceitáveis, mas prefiro assumir meu desleixo com o tempo. Desafiá-lo parece-me agora algo impensável. Traquinagem de adolescente. Começo a sentir a necessidade de curvar-me e reverenciá-lo. Mea-culpa.
Uma daquelas pessoas a quem eu queria muito rever e abraçar, mandou-me, por terceiros, o recado da impossibilidade do nosso encontro. O tempo esgotou. Não fui diligente o suficiente para buscá-la, apesar de saber que, com algum esforço, poderia ter conseguido.
E o preço da minha falta de urgência é esse: o sentimento de vazio imenso que a notícia da sua partida me trouxe.
Com você, parte também um pedaço da minha adolescência. Ficam, no entanto, lembranças tão nítidas que mais parecem ter sido de ontem...
Lembro de um dia em que você precisou se ausentar da sala de aula e me entregou uma lista imensa de equações para que eu as escrevesse no quadro negro (sim, sou desse tempo!) e depois resolvesse para os colegas. Logo eu que odiava matemática... Mas com você eu amava! Aprendia tudo que a sua figura irreverente e inquieta ensinava. Binômios, polinômios, logaritmos... Você fazia, por mágica, aqui tudo entrar na minha cabeça. Acho que isso acontecia porque você era estranho e deslocado como eu. Havia em você mais diferenças que semelhanças, mais contrastes que simetrias. E eu sempre fui assim. Acho que você olhou para mim por dentro e click!, fez-se um elo!
Lembro de você com sua barba enorme, com sua estatura também imensa, seus eternos jeans. Lembro dos seus olhos grandes e úmidos. Negros. Dali saíam chispas de raiva em alguns momentos -ou seria loucura contida? -, mas também ternura e compaixão.Tenho vivas na memória as últimas palavras que você me disse. Em tom confessional. Eram assim os seus conselhos. O jeito de dizer de quem sabe que na vida só aprendemos depois de muitas porradas. Eu pretendia relembrá-las quando nos reencontrássemos. E contar o que aconteceu depois, nas muitas voltas que a vida me deu. Agora suas palavras viraram segredo. Ninguém mais as pode ouvir. Viraram nossa propriedade.Você sabia de muito mais coisas, Lau. Eu mal sabia da vida...

Kenia Mello

Conto de fadas moderno

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Era uma vez uma menina
que conheceu um príncipe
que beijou a menina
que virou uma princesa
com o passar do tempo
o príncipe bocejou
deixou de fazer a barba
peidou
arrotou
esqueceu de tomar banho
virou sapo fedorento
a princesa virou bruxa
resmungona
verruguenta
diabólica
enquanto o sapo e a bruxa viviam no mata-e-não-mata
eis que surge uma fada galinha
e com sua varinha mágica
transforma o sapo em príncipe
e a si em princesa
só que a bruxa, muito safa, certa da sua vocação
nem quis deixar de ser bruxa
rogou uma praga e transformou os dois, tão bonitinhos,
no que eram de fato
e desse jeito
cada um a seu modo
foram felizes para sempre
ou fingiram que eram...

Kenia Mello

Gerúndios

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Sou uma pessoa movida a gerúndios
não aqueles infames dos mal traduzidos manuais de venda da vidamas de gerúndios do tipo construção mesmo
processo
e preciso de espaços livres para vivê-los
preciso de silêncios, hiatos, reticências...apesar da aparente eloqüência
reina um silêncio borbulhante dentro de mim
e nos momentos em que me deixo envolver por ele
de igual pra igual, sem trapaças ou comiseração,
consigo tocar naquela que realmente sou
a que não está à toa na vida vendo o que quer que seja passar,
mas aquela que quer conhecer o seu caminho das pedras
que quer percorrê-lo com alguma sensatez e coerência
por mínimas que sejam
conseguir a dose exata entre o remédio e o veneno exige mestria,
equilíbrio, sensatez e paciência
penso nas pessoas que passaram pela minha vida:
as que ficaram mesmo que ausentes
as que passaram e não deixaram saudade, apenas alívio
as que permanecem à vista e ao alcance das mãos, essas que me ajudam a respirar
e também aquelas outras que existem feito plantas, mas que não sou eu quem rego, lavadas as mãos que tenho...
penso nas modificações que sofri, nas boas e nas possíveis, todas elas mostram os caminhos que percorri
as risadas que dei
as lágrimas que sequei ou secaram por mim
penso nas rugas que começam a surgir
sei a história de cada uma delas
e por isso mesmo não as temo
quando e depois que penso em tudo isso
torna-se extremamente cansativo, para não dizer exasperante,
constatar que, do alto de sua imobilidade,
algumas pessoas-pedra vêem apenas um fragmento do que fui, quando fui
já quis muito parar e dizer contar e falar e calar e ouvir
ver, entender, perdoar e ser perdoada
mas não dá
desisti, cansei, mofei essa vontade/bondade/redenção impossível e besta
talvez fosse mais fácil equacionar tudo numa fórmula simples
e aparentemente eficaz
e ficar comodamente sentada sobre determinadas convicções acerca de mim e do mundo
mas acho que isso é uma forma de proteção
uma tentativa de criar uma redoma perfeita, certinha
asséptica, onde se sabe o lugar de cada coisa
sem caos, sem palavras de mais ou de menos
sem pensar no assunto, sem segundo tempo, sem nada que fuja ao controle...uma pasmaceira, enfim...
um saco
um balaio sem gatos
uma casa sem janelas...
há muito tempo,
resolvi que seria assim: sair de casa
viver a vida
correr riscos necessários e outros assim, assim
mas não virar estátua
definitivamente, não me dou ao luxo de compor paisagem, por mais bem enquadrada que ela esteja...

Kenia Mello

Alvo

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Ele sempre soube que era um alvo fácil.
Descobriu isso desde que nasceu ou talvez antes mesmo.
E foi crescendo com os olhos baixos, a voz pra dentro, sem tons muito acima ou abaixo.
Só respondia o que lhe perguntavam, só afirmava com mínimos pontos de exclamação.Vivia numa semi-escuridão que não incomodava, todos o sabiam presente mesmo que no lusco-fusco, nas frestas, nas beiradas, nos espaços que não precisavam ser preenchidos.
Mas um dia ele descobriu.

Uma vantagem houve em viver nas sombras: descobriu a chave que abriria a porta da sua imobilidade, que o levaria do reino vegetal à terra dos que antes lhe deixavam apenas seus sobejos.

Descobriu que as pessoas têm dentro de si um segredo, palavras-chave que podem ser acionadas em momentos oportunos: elas necessitam ouvir certas coisas.
Precisam de um afago que não pode ser feito com as mãos ou os olhos: carecem que seus ouvidos sejam devidamente saciados.Precisam ouvir o que pode aplacar seus medos e poucas certezas.

Havia, no entato, obstáculos.
Mas ele prontamente tratou de atilar seus silêncios, agora pouco inofensivos, e escutou mais, viu mais, examinou melhor as entrelinhas e as palavras deixadas pela metade, seus antigos presentes de Natal...
E fez tudo isso como antes: sem ser ouvido, visto ou sequer levado em consideração. Para os outros, ele continuava a ser o que sempre fora...

Mas a vingança estava em curso e sua faca era diariamente afiada...

Percebeu que seu maior obstáculo não era chegar ao segredo deles -- uns eram mais fáceis, outros, mais taciturnos... Com esses últimos ele deveria ser mais sombra ainda, sequer respirar. Quem, afinal, poderia ficar em guarda diante dele, uma criatura tão pouco significante?Não, seu maior obstáculo era a pressa. Ela não condizia como o que criara de si para o mundo nem com a natureza da sua empreitada.

Precisava de tempo e calma.

E teve tudo que queria, enfim.

Um belo dia, sem que ninguém soubesse ou visse, roubou todas as palavras, os segredos, as sombras, os sobejos, o seu lugar na sala. Colocou-os na pequena mala de poucos pertences e bateu a porta sem olhar para trás.

Deixou um vácuo enorme com o qual nenhum deles sabia lidar. Quem mais poderia suportar silêncios constrangedores? Quem mais se contentaria com as sobras, as migalhas, o lugar qualquer na sala de estar?

Quem mais poderia ouvir tudo ou nada sem que fosse preciso dar uma explicação racional?Sentiram-se incomodados em seus lugares marcados, nas suas histórias de sempre. Quem mais poderia fingir que era a primeira vez que contavam?

E todo ódio e aridez vieram à tona.

E eles se feriram e se morderam e se mataram dia após dia, sem que fosse possível dizer um ai, soltar um grito de agonia ou socorro.

Estavam mudos e assim permaneceram até que, atraída pelo cheiro forte e nauseabundo, a luz do sol entrou pelas cortinas mofadas e inundou aquele mundo subterrâneo todo.

Do lado de fora, ele sorria com certa tristeza.
Não se gabava do seu feito como antevira em sonhos úmidos e recorrentes.
Apenas esboçou um sorriso novo, diferente daquele que era obrigado a dar diante de algum ato que, vindo deles, ultrapassasse um pouco a linha miserável da obrigação.

Era um sorriso estranho, de saudade... Porque ele descobrira que o mundo lá fora não era muito diferente.
Afinal, ele sempre soube que era um alvo. A diferença é que agora usava isso a seu favor.

Kenia Mello

Aquela casa

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A felicidade morava naquela casa comprida e estreita, de telhado alto.
Naquela rua antiga de muitas casas iguais àquela.
Rua de existência pacata e de conversas corriqueiras, nas quais todos se conheciam e se entendiam, bem ou mal.
Naquela casa pairavam cheiros de cozinha em movimento, de água de colônia e de livros guardados.
Eram cheiros daqueles que acompanham quem os sente a vida inteira, cheiros que se metamorfoseiam em lembranças.
A velha figueira, o balanço preso nela.
As plantas no quintal viravam floresta onde bonecos de papel moravam até que a chuva viesse e os dissolvesse.
Os banhos de tanque, que naquele tempo parecia imenso.Tudo isso envolto num silêncio suave e quase sagrado. Havia ali uma certa solenidade nos modos e uma grande certeza de que o mundo além das suas portas estreitas era muito vasto, mas também um lugar perigoso, onde a calma muitas vezes era tão somente sinal de tormenta a caminho.
Entre as altas paredes velhas, mundos se misturavam e fundiam.
A velha radiola, as almofadas, os cafés na varanda.
O banho frio, a cama sempre quente com suas noites que começavam cedo.As caixas fechadas no sótão tão cheias de atraentes segredos.
O barulho longínquo da rua abafado pelas cortinas pesadas do janelão.
É um lugar que não existe mais em parte nenhuma, perdido que está na poeira do tempo.
Retorno não há porque deixá-lo foi escolha sem volta, daquelas que se faz sem levar em conta quem somos.
Onde foi plantada aquela casa ficou apenas uma saudade mansa, que desperta somente quando o cansaço bate e, com ele, o desejo de voltar e adormecer na velha cama, envolta pelas rendas puídas do cortinado branco.

Kenia Mello