quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

14 de julho



Hoje faz três anos que ela se foi.
Eu estava grávida e a notícia me foi dada da maneira mais delicada possível pelas pessoas com as quais ela viveu nos seus últimos anos.
Mesmo assim, foi de uma tristeza profunda. Abissal.
Porque ela foi a minha mãe e nossa ligação era tão forte, mas tão forte que ela sabia o que se passava comigo, mesmo à distância.
Durante os muitos anos que morei longe, sempre que lhe telefonava ela dizia: Kenia, sonhei com você chorando tanto... Aconteceu alguma coisa?E tinha acontecido mesmo. De problemas grandes a meras tristezas sem motivo, mas que me afetaram de alguma forma. Ela sempre soube.
Mesmo não a tendo mais na velha boa forma, sendo nos últimos anos uma sombra do que foi, o adeus foi muito difícil. E ainda é.
Porque vivemos de lembranças e nelas as pessoas que amamos estão sempre lá, presentes na sua essência, fortes, saudáveis.
E que fortaleza ela era. Às vezes beirava a brutalidade. Seu jeito era determinado, bravo de lutar pelas coisas que ela julgava certas.
Hoje eu sei que nem todas eram, que seu sofrimento em parte foi provocado por esses equívocos.
Mas consigo entender seus motivos e meu amor por ela em nada diminui. Só aumenta com o vácuo dessa saudade hoje tão funda mas mansa.
Senti tanto a sua falta nesses dias todos. Sei que onde você estiver deve ter sonhado comigo porque chorei tanto...Tive tanto medo, acordei de madrugada sem rumo, com a garganta apertada...
Sei que você sofreu comigo e lutou por mim como sempre fez.
Lembrei de quando eu era pequena e adoecia.
Era nessas horas que a sua couraça caía e eu via a cor da sua ternura, que em outras horas era apenas demonstrada através de atos.
Porque uma criança precisa de carinho físico... E nessas horas, quando eu estava doente, sentia o afago da sua voz porque tocar sempre foi muito difícil para você.
Então eu gostava de adoecer...
Hoje entendo e agradeço cada vez mais por tudo, especialmente pelo que você não fez. Porque simplesmente não pôde.
Tento aprender com as lições que você me deixou. As boas e as más. E sinto tanto a sua falta...
Hoje é uma dor mais serena, que respeita o fim do seu tempo, mas que nem por isso deixa de causar-me um aperto no peito nos momentos mais inesperados.
É uma dor física, um desespero rápido e fulminante que, quando vem, só consigo dizer Ai, meu Deus!, como se fosse uma pequena e certeira morte...
E aí sinto que me falta o chão... As palavras, pensamentos, tudo. É nessas horas que sinto uma solidão completa e esmagadora.
Hoje faz três anos e eu não consigo dizer adeus. Acho que nunca conseguirei.
Porque você está presente em tudo, em todas as coisas que aprendi com você. Em todas as lutas que vi você travar. Em todas as perdas e ganhos que presenciei nos muitos dias e noites das nossas vidas.
É por isso, talvez, que não haja necessidade de dizer adeus. Já me acostumei um pouco com isso, mas às vezes é impossível não querer de volta tudo que tivemos.

Kenia Mello

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