quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Gerúndios

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Sou uma pessoa movida a gerúndios
não aqueles infames dos mal traduzidos manuais de venda da vidamas de gerúndios do tipo construção mesmo
processo
e preciso de espaços livres para vivê-los
preciso de silêncios, hiatos, reticências...apesar da aparente eloqüência
reina um silêncio borbulhante dentro de mim
e nos momentos em que me deixo envolver por ele
de igual pra igual, sem trapaças ou comiseração,
consigo tocar naquela que realmente sou
a que não está à toa na vida vendo o que quer que seja passar,
mas aquela que quer conhecer o seu caminho das pedras
que quer percorrê-lo com alguma sensatez e coerência
por mínimas que sejam
conseguir a dose exata entre o remédio e o veneno exige mestria,
equilíbrio, sensatez e paciência
penso nas pessoas que passaram pela minha vida:
as que ficaram mesmo que ausentes
as que passaram e não deixaram saudade, apenas alívio
as que permanecem à vista e ao alcance das mãos, essas que me ajudam a respirar
e também aquelas outras que existem feito plantas, mas que não sou eu quem rego, lavadas as mãos que tenho...
penso nas modificações que sofri, nas boas e nas possíveis, todas elas mostram os caminhos que percorri
as risadas que dei
as lágrimas que sequei ou secaram por mim
penso nas rugas que começam a surgir
sei a história de cada uma delas
e por isso mesmo não as temo
quando e depois que penso em tudo isso
torna-se extremamente cansativo, para não dizer exasperante,
constatar que, do alto de sua imobilidade,
algumas pessoas-pedra vêem apenas um fragmento do que fui, quando fui
já quis muito parar e dizer contar e falar e calar e ouvir
ver, entender, perdoar e ser perdoada
mas não dá
desisti, cansei, mofei essa vontade/bondade/redenção impossível e besta
talvez fosse mais fácil equacionar tudo numa fórmula simples
e aparentemente eficaz
e ficar comodamente sentada sobre determinadas convicções acerca de mim e do mundo
mas acho que isso é uma forma de proteção
uma tentativa de criar uma redoma perfeita, certinha
asséptica, onde se sabe o lugar de cada coisa
sem caos, sem palavras de mais ou de menos
sem pensar no assunto, sem segundo tempo, sem nada que fuja ao controle...uma pasmaceira, enfim...
um saco
um balaio sem gatos
uma casa sem janelas...
há muito tempo,
resolvi que seria assim: sair de casa
viver a vida
correr riscos necessários e outros assim, assim
mas não virar estátua
definitivamente, não me dou ao luxo de compor paisagem, por mais bem enquadrada que ela esteja...

Kenia Mello

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