sexta-feira, 25 de abril de 2008

Lei do Silêncio




Francisco trabalha como porteiro no prédio onde moro desde que o mesmo foi entregue aos primeiros proprietários e isso já tem uns seis anos. É, portanto, o funcionário mais antigo daqui.
É uma pessoa inteirada dos problemas do condomínio, conhece todos os moradores pelo nome e andar. É atencioso, inteligente e bem-humorado. Eu diria até que ele poderia ter sido qualquer coisa que quisesse na vida, caso tivesse tido as oportunidades necessárias. De modo que ele, como porteiro, é para mim uma espécie de Wikipédia: nada acontece por essas cercanias sem que Francisco saiba ou, pesquisando com as fontes certas, não fique sabendo. Ele é casado, não sei se tem filhos e aparenta uns 50 anos.

O jeito simpático e comunicativo faz de Francisco uma pessoa bastante querida no bairro onde mora. Lá ele também participa de um programa de rádio (pirata) com bastante audiência na comunidade. É, sem dúvida, uma pessoa diferenciada.

Pois bem. Há mais ou menos três anos, Francisco foi detido pela polícia em casa, no seu dia de folga. Tudo foi feito discretamente, mas ele foi levado, numa viatura da Polícia Civil, para a delegacia mais próxima.

Na semana anterior a esse fato, o programa Linha Direta, da Rede Globo, exibiu um duplo homicídio cujo praticante estava foragido e ele era idêntico ao nosso Francisco. A denúncia foi feita - por um morador do prédio, diga-se de passagem - e não deu outra: levaram o porteiro.

Por um golpe de sorte, o delegado de plantão tinha sido morador do nosso prédio e conhecia Francisco. Nesse meio tempo, a rádio da comunidade já tinha divulgado o acontecido e seus conhecidos formavam um grande grupo na frente da delegacia. Desfeita a confusão, Francisco foi liberado. Mas fez uma exigência: queria voltar para casa na mesma viatura que o trouxera, pois assim todos saberiam que foi um engano e ele se livraria da vergonha do dito pelo não dito. Foi atendido.

Eu tomei conhecimento desse fato através de outro funcionário do condomínio. Fiquei espantada, mas como a coisa toda teve um desfecho positivo, esqueci. Um belo dia, Francisco veio aqui em casa acompanhando um técnico que faria um conserto no interfone. Enquanto o rapaz torcia e retorcia fios, lembrei do ocorrido e Francisco me contou todos os detalhes do que se passou na época, inclusive que fora denunciado por um morador daqui.

A primeira coisa que eu lhe disse foi que, caso ele entrasse na Justiça por danos morais contra o Estado, seria uma causa ganha, pois havia testemunhas diversas blablablá. Sabem o que ele me respondeu? Dona Kenia, eu não sou besta de deixar viúva nova e rica! Isso mesmo. Ele arrematou que na época apareceram dois advogados se oferecendo para representá-lo, mas que fora aconselhado por outras pessoas, graúdas, segundo ele, a ficar quieto, pois, do contrário, a represália seria certa.

Nessa hora, percebi que Francisco era muito mais safo do que eu porque ele conhece o funcionamento das engrenagens todas, sabe onde o bicho pega. Percebi também que a sua exigência de voltar para casa na mesma viatura era sua única opção de dar o troco, de se fazer respeitar. Ele sabe das coisas. Ele conhece a lei do silêncio e seus imperativos. Aqui e alhures.

Fotografia: Flickr

7 comentários:

Anônimo disse...

o q é certo passa a ser errado e perde-se o conceito de Justiça...
Q mundo é esse,heim?
O raciocínio é simples: melhor estar vivo e sem grana do q o contrário.
E assim as injustiçadas se perpetuam,manda quem pode,obedece quem tem juízo.

Bjos e []s

Ivette Góis

Clarice Concê disse...

[off-topic]

Nem te conto... já estás na minha lista de comer bolo de noiva ;)
(eu não falo muito mais sempre apareço por aqui)
Beijo.

KS Nei disse...

Ei, isso dá um belo roteiro!

Anônimo disse...

Pois é...
Tem um ditado que diz que "se vc recua diante do inimigo, acrescenta a ele, algo de poder que ele não tinha".
Lamentavelmente esse silêncio só faz crescer o espaço da impunidade, mas nesse mundo onde se vc corre corre o bicho pega e se fica o bicho come, tem mesmo que se avaliar criteriosamente cada caso antes de botar o peito sem colete à mostra.
Lembro que qdo minha irmã foi atacada por POLICIAIS CIVIS,só pq acampava próximo a mansões, chegando a quase morrer, ( o namorado ñ resistiu )- tendo a cabeça aberta em 4 partes por cassetete como se abre um coco- passando por uma série de situações dramáticas, desde coma até tratamento com neurologista, psicólogo e fonoaudiologista - o próprio secretário de segurança pública à época, e grande amigo da família aconselhou a não mexer no vespeiro.
Minha mãe apavorada viajou com ela, passando dois meses fora!
Os que ficaram em casa, tiveram q se submeter à neurose de sair e chegar em casa sempre à espreita.
Eita mundo caído, como diz um amigo!
bjão

Anônimo disse...

Perdão... fonoaudiólogo rssss
affff! é a indignação q faz isso.
Afinal eu ñ erro... apenas cometo pequenos lapsos ah ah ah :)
bj
R.

Anônimo disse...

me diz:
o que nao esta' podre hoje em dia nesse pais?

ATG disse...

De facto é revoltante não podermos fazer justiça, com medo dela se virar contra nós. Já assisti a vários exemplos disso. A justiça é como a vida: injusta!

Beijos!