domingo, 11 de janeiro de 2009

Miséria é miséria em qualquer canto



Não vou escrever uma linha sobre o que está acontecendo na Faixa de Gaza da mesma maneira que não escrevi nada sobre as enchentes em Santa Catarina. Sobre este último, confesso que fiquei me coçando, mas resisti. Sem dúvida que todo o sofrimento das famílias desabrigadas, os mortos e desaparecidos me comoveram. Porém,
confesso que, sendo nordestina, já vi sofrimento demais, catástrofes demais, miséria demais causados pela natureza.

Aqui em Pernambuco, a exemplo do Nordeste inteiro, não ter o que comer, o que vestir, não ter água potável, ou melhor, não ter água nenhuma é coisa rotineira. Mães e pais vendo seus filhos morrerem aos poucos, à míngua, faz parte de um cenário de anos e anos a fio. Virou a epidemia da miséria. E de uma miséria que é capitalizada como estava sendo a da tragédia de Santa Catarina.

E, honestamente, não posso dizer que me comovi de ficar aos prantos, deprimida, como li que muitas pessoas ficaram. Claro que me angustiou profundamente ver na TV pessoas sofrendo por suas perdas familiares e materiais, mas, como disse, ser nordestino, mesmo não fazendo parte da grande população que vive na miséria, já é o suficiente para ter calos na alma. O que não quer dizer indiferença. Talvez revolta caiba mais. Pode ser medíocre, pode ser mesquinho da minha parte, mas pensei que talvez grande parte dessa sensibilização nacional tenha se dado porque o infeliz na tela da TV era louro de olhos claros, gente que nós não estavamos acostumados a ver em condições sub-humanas. Porque já virou praxe ver uma mulher negra ou cabocla, nordestina, esquálida, com um bebê igualmente cadavérico na teta, cercada por mais meia dúzia de filhos, falando em falta d'água, com as panelas de alumínio no fogão completamente vazias, não é verdade? Cadê a comoção? A mobilização? E isso acontece todo dia, meus caros, toda hora. Quem lembra? Onde estão os grupos organizados? Onde estão as ONGs? Cadê os selinhos nos blogs pedindo ajuda, doação?

Já sobre Gaza não falo porque me dói. Tenho evitado ler e ver as imagens. Especialmente das crianças e velhos, que são o meu ponto nevrálgico. Sinceramente, não vejo solução próxima para um conflito que vem endurecendo nos últimos sessenta anos. Índole belicosa de ambos os lados, fanatismo religioso, ódio, interesses conflituosos e oportunismo são peças muito difíceis de serem equacionadas. Nossa razão ocidental tenta dar conta disso ditando receitas para uma paz que talvez nunca seja alcançada. Infelizmente muitas histórias não têm final feliz e nem sempre o bem e o mal podem ser tão cartesianamente delimitados. E ninguém é santo naquele balaio de gatos.

De uns tempos para cá, decidi que não vou me fragilizar por livre e espontânea vontade. Já sofri muito por causa dessa minha natureza de antena parabólica. Preciso de lucidez para cuidar da minha filha, de mim e de quem me cerca. Não posso mudar o mundo e nem quero, pois tampouco tenho certeza de que as minhas decisões
seriam as mais acertadas. Podem chamar isso de omissão e falta de engajamento. Podem me acusar de estar em cima do muro. Mas a maioria que pensa assim está fazendo algo concreto para ajudar além de teses revoltadas ou comoventes? Desde quando reproduzir fotos sangrentas da Reuters resolve o assunto? Pois em meio a essa loucura toda, eu opto por sobreviver.

17 comentários:

Anônimo disse...

Transcrevi para o meu blog um texto muito interessante de Zeca Baleiro justamente sobre essa estória de se mobilizar e levantar bandeiras por causas distantes e não se sensibilizar com o que está bem debaixo do nariz, demonstrando um mix de vaidade e ingenuidade. E sem querer descartar a importância de mobilizações coletivas,
parafraseando-o, dedico minhas preces aos que estão distantes, mas a prioridade da minha AÇÃO é sempre com aquele que está ao meu alcance.
Faço minhas suas palavras. E as dele.
Isso é coerência.

Anônimo disse...

ui!
fui euzinha rsss
bj
R.

Anônimo disse...

"Miséria é miséria em qualquer canto".....concordo e assino embaixo....tenho sangue nordestino nas veias!

Anônimo disse...

tenho evidado demais acompanhar tragédias,a última foi a da menina Isabella e isso me fez muito mal.Jurei para mim mesma q não me deixaria levar pela super exposiçaõ da desgraça alhei.Faço como Regina:prefiro rezar pelos q sofrem e faz o q posso,ajudar a quem estar mais próximo da minha pessoa.
E tb concordo q o nosso NE merece tb comoção e ajuda,já q os políticos q tanto usam a miséria alheia,qdo chegam lá esquecem dos q sofrem.
O Haiti é aqui...


Bjos e []s

Ivette Góis

Ana R. disse...

O que dizer de Angelina Jolie que adotou uns cinco filhos, se não me engano, e continua mobilizando-se na prática, para ajudar all over the world? O dinheiro dá possibilidades, dá mobilidade para tal. Mas ela tem uma luz lá na alma que vem desde a adolescência, quando mobilizou uma escola contra a demissão de um bom professor. É uma coragem que tá no sangue e uma capacidade de AÇÃO. Será possível que o excesso de conforto e a busca frenética por mais não acabou com a atitude das pessoas...? Estamos vivendo em meio a muita complexidade e tudo ao vivo, pela tv. Tá bem complicado....E rola um bocado de preguiça....A gente aqui não consegue sequer fazer as pessoas entenderem que o lixo que elas jogam em qualquer lugar vai voltar contra elas mesmas....

Anônimo disse...

ela adotou 3 filhos e tem 3 biológicos.Gesto bonito de fato,mas meu respeito por ela acabou qdo passou a mão no marido alheio.Acho q a retidão de caráter deveria se estender a todas as áreas.

Bjos e []s

Ivette Góis

Anônimo disse...

Já disvirtuando o assunto, não vou com os cornos da Jolie de jeito nenhum.
Quanto a falta de enagjamento e de coragem, acho q elas são fruto não da preguiça mas da desilusão.
Tb acho q a mídia fomenta a comoção q quer e isso é péssimo, somos o país guiado pela novela das 9.

Beth/Lilás disse...

Kenia, vc tem toda a razão!
Não precisamos de desgraças alheias, pois debaixo do nosso nariz, posso dizer aqui mesmo no Hell de Janeiro, tem muita gente passando necessidades. Só não vê quem é cego. Principalmente se vc chegar pelo aeroporto do Galeão e pegar a Linha Vermelha. O bolsão de miséria, sujeira e abandono está bem ali, escancarado para todos nós e os visitantes que aqui chegam e podem assistir da janelinha dos ônibus ou de seus carros. Parece o Haiti de verdade.
Faço idéia o abandono do NE e das cidades de interior de Pernambuco!

bjs cariocas

Beth/Lilás disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Anônimo disse...

Madama,
Essa tragédia em SC só mostrou o quanto é "normal" ser pobre no nordeste. Aqui POOOODHE... lá não. Por momentos pensei exatamente igual a:
"Pode ser medíocre, pode ser mesquinho da minha parte, mas pensei que talvez grande parte dessa sensibilização nacional tenha se dado porque o infeliz na tela da TV era louro de olhos claros, gente que nós não estavamos acostumados a ver em condições sub-humanas. "

Beijos Naná

Anônimo disse...

Sem querer julgar a Jolie - até pq eu ñ posso por ñ conhecer o dia-a-dia dela - concordo inteiramente com a Ivette, enfatizando que saúde e equilíbrio mental e psicológico devem alcançar todas as áreas do ser e não apenas aquelas que apontam para as suas exterioridades.
E quem foi que disse que ela saiu da zona de conforto dela, adotando crianças?
Até acredito que adotou por certas virtudes até louváveis, mas TAMBÉM por ter "cacife" pra isso.
Sem um certo staff não dá pra cumprir a tarefa de ser linda e maravilhosa o tempo todo.
Assim é bom adotar...
Não só bom, é quase obrigação!
Enfim... sem atirar pedras, mas tb sem entronar, né?
Nem tanto ao céu nem tanto ao mar :P
E se for pra servir de exemplo, pra mim tem que haver coerência.
bj
R.

Lúcia Soares disse...

Também concordo com você, Kenia. E a maneira como você escreve é que nos aproxima mais do problema. Realmente, não podemos fechar os olhos ao que nos cerca pra falar das misérias de todo canto.Cada qual com seus problemas. Se cada um fizer a sua parte, as coisas melhoram.Não consigo entender guerras, por mais racional que eu seja.

Sweet! disse...

É estranho, mas nós nordestinos somos msm meio endurecidos (o adjetivo certo não é esse, mas não me veio outro) para tragédias assim, como a de SC. É sem dúvida a realidade q a gente vivencia muito de perto. Tive o msm sentimento q vc sobre aquele fato. O q sempre me lembra a avó do marido, matrona nordestina q não chorava nunca nas mortes diversas q enfrentou na sua família, até seu próprio fim.
Bjs.

DILERMArtins disse...

Mas bah!
Você tem razão; quando as mini-séries(ou será miniserie), particularmente costumo ser seletivo naquilo que vejo, leio e escuto. Mas, é da natureza humana ser atraído por tragédias, por isso a mídia usa e abusa das mini-séries.
Quanto ao Noreste, sendo gaúcho, gostaria de dizer umas duas ou tres coisinhas: Morei em União dos Palmares/AL, por cinco anos. Pra mim, o Nordeste só tem um defeito, fica muito longe do Rio Grande do Sul, onde mora quase toda a minha família(se fosse mais perto eu ficaria lá pra sempre); o Nordeste só tem um problema(que é comum a todas as outras regiões do país) uma elite,econômica e culturar, na grande maioria, corupta, anti-ética, ladra, imoral, que explora o povo de maneira indecente; mas acima de tudo, no Nordeste pude ver na AÇÃO diária do povo a SOLIDARIEDADE que é a grande resposta ao "ama teu próximo como a ti mesmo". Assim digo, sem medo de errar, o povo pobre do Nordeste é um exemplo de cristão a ser seguido.
Só lhe faço um reparo; a fome, o sofrimento. a perda, a misérie, não têm cor dos olhos...

Anônimo disse...

brigada, kenia. uma das melhores [se não a melhor] crônica a respeito desses temas que já li!

Lucard disse...

Mais um assinando embaixo.

Anônimo disse...

BRAVO, a DILERMartins! Desde a minha infância fui sensibilizada pelo sofrimento que ocorre no Nordeste devido ao clima árido que ninguém pode mudar, a Região é assim. Mas ficava (e até hoje)indignada com as atitudes dos políticos (ir)responsáveis por essa Região, que preferiam encher seus próprios bolsos a ajudar seu próprio povo necessitado. Ao que me lembro, muitas foram as mobilizações pela seca no Nordeste, minha mãe enviava desde água a alimentos, mas, infelizmente, o progresso que esperávamos não veio até hoje. E, claro que uma tragédia onde o clima sempre foi favorável à sobrevivência comove todo o mundo, porque nunca acontecia e de repente estava lá, como em Santa Catarina. Sei que dói, mas o sofrimento no Nordeste é anunciado tratando-se da seca, os governantes e coronéis de terno é que devem tomar vergonha na cara,pois somem com o dinheiro destinado à Região.
Sinto por todos os que sofrem, de Norte a Sul, são todos nossos irmãos brasileiros.