terça-feira, 15 de abril de 2008

Você tem medo de quê?

O que norteou sua vida foi o medo
Sempre.
Teve medo de perder
Medo da morte
Medo de não ser amada
Medo de sofrer
Medo de não ser feliz e medo de ser
Medo da luz e medo das sombras e mais ainda
Do escuro
Medo de não ser suficientemente boa
Medo de ser má
Medo de comer demais ou de ter fome

Houve um tempo, então
Em que quase todos os seus medos ganharam rosto, voz, cheiro, acenos
E ela pensou que, de tanto medo que sentira,
algo oculto
uma força, uma sina, um prodígio qualquer
tivesse transformado esses seus pesadelos em carne e ossos

E passou a ter medo do próprio medo.

Até que um dia teve uma certeza sem nome. Não quis pensar no que era, apenas seguiu a sua correnteza.

Recusou-se a temer o revés: ganhar ou perder fazia parte de qualquer jogo, afinal, de tantos que se foram, já não temia mais essa morte, ela viria de qualquer forma e, uma vez em pedaços, a dor não seria mais tão aguda.

Quanto ao amor, deixou-se amar sem pedir licença, sem oferecer propina e sem maquiagens.
E se tinha que sofrer, fazia-o silenciosamente, sem platéias, sem cenas, sem desnecessários: entregava-se com a calma certeza de uma reparação, qualquer que fosse, não importava o nome.

E nada mais foi forte o bastante para lhe tirar o sono. Contornou suas angústias, suas necessidades.
Reaprendeu-se no outro, deixando-se um pouco de lado.

Sem se dar conta, era ele, o medo, quem a levava pela mão. Era ele quem a acordava com uma xícara de café quente todos os dias. Sempre ele. Era ele que, de tão temido e negado, passou a fazer tudo o que estava ao seu alcance para que ela percebesse que viver sem ele seria impossível. Que é preciso estar ao seu lado para se manter vivo.
E ela nunca entendeu, embora continuasse, às escondidas, sentindo-se escandalosamente com medo de quase todas as coisas.

5 comentários:

Anônimo disse...

Interessante que a gente sempre se vê um pouco em textos densos assim como esse.
Ainda que em circunstâncias que nos remetam a um passado ñ muito distante...
Li e reli ( p/ variar:P)
Muito bom!
bjão.
Rê.

Anônimo disse...

particularmente,tb tenho medo de algumas coisas.Mas duvido muito q alguém sobreviva sem tê-lo,por questão até de auto-preservação.Mas tê-lo em excesso é paralisante.
Lindo texto,amei,como sempre.

Bjos e []s

Ivette Góis

Reporter Bacurau disse...

Grande texto...

Você descreveu literalmente uma pessoa conhecida minha. Vive guiada pelo medo.

O pior é que ele/ela tem medo de tudo. Tudo é perigoso e arriscado.

Vôte!

Giovanni Gouveia disse...

Lembrou-me Rita Lee:

"E o bicho-papão, virou meu namorado..."

Mas o medo é o tempero da vida, não há vida se não houver morte!
Imagina quão chato seria se fôssemos eternos, a adrenalina não existiria, talvez nenhuma emoção, tudo seria uma mesmice entediante...

Giovanni Gouveia disse...

Complementando:

Tenho medo de não ter medo...
"nada a temer senão o correr da luta, nada a fazer senão esquecer do medo..."