sexta-feira, 9 de maio de 2008

A gente se acostuma...

Hoje de manhã, andando sobre um dos muitos canais do Recife, olhei pras suas águas fétidas e cheias de lixo: garrafas plásticas, pedaços de pano, latas de comida, papel. E pensei que o Recife merecia ter canais bonitos como os de Amsterdam, e que em alguns pontos poderia haver até transporte público. Mas o pensamento cedeu lugar ao mau cheiro, a gente se acostuma com ele e a vida segue.

Lá mais na frente, por detrás do vidro fechado, sempre vejo crianças com outras no braço pedindo esmolas no sinal. Do outro lado, meninas tecem, nas suas barrigas grávidas, mais uma vida para esmolar. Dói o coração, eu penso na minha e dá vontade de chorar. Mas o sinal abre e, duas quadras adiante, a gente se acostuma porque sabe que precisa estar inteiro pra quem ainda não tem que conhecer as verdades do mundo.

É tanta grosseria, tanta irresponsabilidade, tanta falta de educação e respeito, que tem horas que a gente termina achando que essa deve ser a regra e não a exceção. A gente até se acostuma, muito embora tente, de todas as formas, blindar pelo menos os poucos metros quadrados da nossa casa.

E quando você reencontra um conhecido que não via há anos, fica feliz e muita coisa do passado volta e vocês riem disso, mas lá adiante, no meio da conversa, você percebe que pouca coisa mudou e, exatamente como antes, você continua sem fazer parte de nada. Você sorri amarelo, troca telefone e diz "Vamos nos ver". Depois de
pensar que a melhor felicidade é a cega, você deixa pra lá e acaba se acostumando, mesmo sabendo que essa não é a sua verdade.

É, a gente se acostuma com um monte de coisas. As boas, quem não consegue? As ruins, fazer o quê? E assim a vida segue, a gente esquece pra depois lembrar mais resignado ainda. A gente acaba se acostumando mesmo. Mas não deveria.

6 comentários:

Anônimo disse...

Mulher, hoje foi o seu dia... Quarta eu acordei exatamente igual a vc.
E sabe no que pensei? Que eu vejo e não faco quase nada pra melhorar. Sei que posso fazer mais... Me prometi isso. E já estou correndo atras.
Nao podemos nos acostumar. Esse é o nosso grande erro!
E vc, melhorou?
Beijos,
Ale Vidaurre

ATG disse...

Temos que ser realistas: sozinhos não podemos mudar o mundo, mas podemos influenciá-lo um pouco que seja.

Beijos

Anônimo disse...

Procurar AGIR sempre com bondade, justiça, verdade, solidariedade e, acima de tudo, com humildade - e isso sem que seja necessário levantar nenhuma bandeira ativista - creio que já seja fundamental para neutralizar o não-conformismo, o terrível “acostumar-se”.
O mais... como diria o Zeca Baleiro num texto que transcrevi lá no meu blog - é manifestação de cunho extremamente ingênuo e vaidoso.
bjossss
Rê.

KS Nei disse...

É tem dia árido sim. Mais por um cansaço geral, visível e invisível que por falta de assunto.
Mas aridez dá seller. Graciliano que o diga.
É o Neve sim. Botei uma fé porque é da Cia das Latras.

Kenia Mello disse...

Oi, Ale Vidaurre.
Vim melhorar ontem, acredita? A malvada me pegou dicumforça desde segunda. :(

Beijos.

Ale, bom era o tempo em que a gente achava que podia, né?

Beijos.

Rê, tem muita palhaçada em nome de muita coisa nesse mundo, né?

Beijos.

Nei, depois de ler, me diga o que achou.
E essa Cia das Latras bem que podia mudar pra Cia dos Flandres, nera? :P

Reporter Bacurau disse...

A gente não se acostuma não. Nem eu, nem vocë. Tanto que você escreveu sobre isso. Se fosse banal pra vocë, passava batido.

Quem tem um pouco de consciência de como é a esculhambação brasileira nunca deixa de ter um olhar crítico quando vê essas (obs)cenas.

Pena que o brasileiro médio, aquele que lê Veja e Caras e assiste a Globo, nem nota a paisagem...