segunda-feira, 16 de junho de 2008

Almofadas, a menina e a boneca






De um dia para o outro, a casa se encheu de almofadas. E eram de todos os tamanhos, estampas e cores: tinha tigres dourados, bailarinas, deusas hindus, estampas florais, geométricas. A menina não sabia se eram feias ou bonitas, o que espantava era a quantidade: pelo que ouvira falar, sabia que eram duas mil, mas a impressão que tinha era de muito mais - a sala, os quartos e os demais cômodos da sua pequena casa foram invadidos por essa enxurrada de tecidos, enchimentos e visitas periódicas que as levavam embora, felizmente.

Sua mãe era costureira e recebera a grande encomenda de uma senhora abastada da sociedade local: a filha faria 15 anos e a festa prometia ser de arromba. As almofadas seriam jogadas no jardim da mansão e nelas os convidados, os jovens, claro, sentariam, deitariam e, meio fora dos planos da mãe da moça, vomitariam.

E durante os quase três meses da confecção dessas almofadas, a menina viu a vida gravitar em torno do evento para o qual, por delicadeza, foram convidadas. Toda semana a mãe da aniversariante estacionava o carro em frente à casa e as benditas almofadas partiam, mas não sem antes outros tecidos serem colocados no lugar.

A menina começou então a sonhar com a festa e aquelas almofadas deixaram de ser motivo de chateação. Ela sequer se atrevia a pensar em ir porque intuitivamente sabia que naquele mundo não havia espaço para pessoas como ela.
Mas mesmo assim, ela sentava sobre as almofadas no chão da sua casa e se imaginava na grama fresca do jardim iluminado por holofotes. Via aquelas mesmas almofadas que estavam junto dos seus pés espalhadas perto da piscina, debaixo das árvores. E sonhava com coisas que ela nem sabia o que eram. Uma festa de 15 anos. Uma criança de sete anos e um mundo de almofadas coloridas aos seus pés e tão fora do alcance das suas pequeninas mãos.

Mas um dia seu coração quase explodiu de contentamento. A aniversariante veio com a mãe conferir o trabalho da sua, a costureira. A menina sentiu o coração querendo pular pela boca. E mais ainda quando a moça lhe pediu um copo d'água. Quando a menina prontamente se levantou para ir pegar, a moça disse: Eu vou com você. A felicidade se alojou, quentinha, no seu peito, e ela seguiu confiante, rumo à cozinha, com a aniversariante atrás de si.

Lá, com a inocência ainda intacta, pegou água do pote porque era mais gostosa, ao invés da água da geladeira, mais apropriada para uma visita importante. E, segura de si que estava, contou à moça que a sua boneca mais bonita, que ganhara um mês antes, recebeu o seu nome, porque ela, a menina, de tanto ouvir falar e por achar
lindo, claro, não poderia dar outro. A moça sorriu, não tocou na água e disse à menina: Não fale nada pra mamãe. A menina, sem entender, viu a moça tirar da bolsa um isqueiro lindo e dourado e acender um cigarro.

Depois desse dia, a boneca foi rebatizada e, posta de lado, cedeu lugar às antigas cujos nomes não traziam lembranças do cheiro suave do cigarro e da desilusão.


Fotografia: Flickr


4 comentários:

Anônimo disse...

ah,Kenia,q beleza de texto.
Dá vontade de colocar essa menininha no braço e cantar uma canção bem linda na qual fadas e crianças e bonecas façam parte de um mundo só...

Bjos e []s

Ivette Góis

Beth/Lilás disse...

Lindo, Kenia!
Você estava muito inspirada ao escrever este conto. Transportou-me e ao mesmo tempo fiquei na expectativa do final que, na verdade, foi bastante surpreendente.
Parabéns!
beijo carioca

ATG disse...

Olá amiga!

Estive uma temporada de férias, mas estou de volta! Não deixo o teu blog :)))

Beijo!

João Eurico disse...

Beleza !

Parabens.

Fazer imaginar a cara da menina decepcionada. Parece o caso do Braveheart do filme.