terça-feira, 19 de agosto de 2008

Os mortos-vivos



Quem morre jovem recebe em troca uma garrafa com água da fonte da juventude. Nada das primeiras nem derradeiras rugas, cabelos brancos e toda decadência fisiológica que chega com o passar dos anos. Nada de crises de identidade, de meia-idade, nada. James Dean, Marilyn Monroe, Janis Joplin, Byron, Jim Morrison são retratos de um Dorian Gray sem pacto, sem maldição, sem arrependimentos. Suas vidas, suspensas, cederam lugar ao devaneio, ao álbum de fotografias de curto espectro, ao plano das possibilidades. Saíram à francesa no melhor da festa com o ar de não terem perdido grande coisa.

O mesmo acontece com os amores impossibilitados. Os amantes, que se perderam para a distância geográfica, para a morte, para as palavras que foram longe demais para voltar sem fazer estragos, seguem adiante, mas levam dentro de si um espaço mítico onde não há lugar para o massacre da rotina, as pequenas e grandes desavenças, as perguntas sem respostas e as respostas enviesadas.

Eles parecem crer numa perfeição que só não foi atingida porque não houve espaço, tempo ou pedido de perdão. E transformam esse amor suspenso e não consumado num porto seguro, numa sensação de reconforto quando tudo, inclusive os amores reais, parece estar definhando.

Por causa do amor congelado no tempo, esses amantes seguem como cartas de um baralho incompleto, que não fazem par com nada, impermeáveis às mudanças da sorte. Quem vive nesses mundos paralelos não percebe que muitas portas são fechadas, muitas palavras não fazem sentido para quem sequer desconfia do que os habita secretamente. Muita dor permanece sem nome e sem explicação.

O outro, o que chega inteiro e são, é arrebatado, sem aviso, consentimento ou explicação, para o convívio dos fantasmas. E passa a se sentir insuficiente, pequeno, inadequado. Intui que há alguma coisa errada, mas não consegue perceber a sua natureza. Perde-se das mais diversas maneiras. Com alguma sorte, consegue escapar para lamber as feridas.

Quem carrega dentro de si um amor inacabado, leva também o peso da ilusão e do egoísmo covarde. E a força atraente e lasciva dos mortos-vivos, que seduz para depois destruir tudo que está à sua volta.

14 comentários:

Giovanni Gouveia disse...

Baixou a Núbia Lafayete...

pkkuitw

Kenia Mello disse...

Gio, essa não é do meu tempo. :P

Anônimo disse...

esses fantasmas são os mais difíceis de serem exorcizados.Coitados dos q ficam...

Bjos e []s

Ivette Góis

Anônimo disse...

Minha irmã saiu assim à francesa, linda, jovem, loira e sem nenhuma ruga.
Quem ficou, viu, viveu...e sofreu!
Como diz o grande filósofo Bambam "faz parte"!
Qto a amores inacabados, é mesmo muito estranho o amor latente em um relacionamento rompido.
Ainda bem que lamber as próprias feridas... um dia sara!
Eu que o diga!)
Tb faz parte!!!
bj
R.

Beth/Lilás disse...

Posso dizer que, sinceramente, nunca fui uma morta-viva, porque sempre fui daquelas de "levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima".
Mas tenho gente da família por perto que é assim, não muda, não sabe enxergar além, não abre o coraão para um novo amor e sofre e tenta fazer outros à sua volta sofrerem também.
Eu que não entro nessa...sai fora!
Quero mais é viver e deixar viver.
bjks cariocas

Parece incrível, mas deixei hoje algumas linhas de um lindo texto que fala mais ou menos isso.

KS Nei disse...

Quem tem um amor inacabado, tem, pra sempre, uma poesia completa.

Morrer jovem e' morrer sem medo.

Eu quero chegar aos 150 me borrando, mas chegando.

Anônimo disse...

e' amiga,

...creio que sou privilegiado, pois carrego alguns mortos-vivos e me identifico com meia dúzia de covardes! ...mas o grande amor, parte da minha "ilusão", relação mais duradoura (6 anos) há quatro anos andou bebendo agua desta dita fonte da juventude e aos 44 anos entrou para a famosa galeria dos sem pregas (na cara).

para ele, foi ótimo! ...para mim, eu diria: "it gets better, but never goes away"!

continue sempre enviando o leitedecobra, pois me faz companhia!

fonte abraço,
com carinho,
sidney.

Anônimo disse...

*clap clap clap*

Reporter Bacurau disse...

Uou!! Medalha de ouro!!!!

Por coincidência, eu tenho ouvido sem parar essa música dupriqui de Paulinho da Viola que fala sobre o mesmo assunto:

Onde a Dor Não Tem Razão

Canto
Pra dizer que no meu coração
Já não mais se agitam as ondas de uma paixão
Ele não é mais abrigo de amores perdidos
É um lago mais tranqüilo
Onde a dor não tem razão

Nele a semente de um novo amor nasceu
Livre de todo rancor, em flor se abriu
Venho reabrir as janelas da vida
E cantar como jamais cantei
Esta felicidade ainda

Quem esperou, como eu, por um novo carinho
E viveu tão sozinho
Tem que agradecer
Quando consegue do peito tirar um espinho
É que a velha esperança
Já não pode morrer

Anônimo disse...

voce le pensamentos?
ta' proibida de entrar no meu blog
(mentira)

Anônimo disse...

Sem palavras... ou melhor, duas palavras: Que lindo! Parabéns pelo texto, ando tentando exorcizar amores incompletos da minha vida...

Sweet! disse...

Quanta inspiração, eu gostei!

Anônimo disse...

Descobri seu blog há 2 dias. E agora lendo posts antigos me deparei com esse texto.Identificação imediata dessa parte dos amores mortos-vivos, estou batendo o portão sem fazer alarde de algo, como diria o poeta... labendo a minha cria e as feridas.

Kenia Mello disse...

Anônimo(a), seja bem-vindo(a)! :)