segunda-feira, 15 de setembro de 2008
O dia em que visitei Beslan
E aquela imagem não sai da minha cabeça.
Destroços, fumaça, corpos, medo. Sede e destruição. E aquela imagem que não me sai da cabeça.
Crianças seminuas, soldados, sangue, crianças ensangüentadas, homens e mulheres atônitos. Destroços. E aquela imagem que teima em não sair da minha cabeça.
Perplexidade, choro derramado e preso, gente aos pedaços, famílias dilaceradas. E aquela imagem que não me sai da cabeça.
Mesmo depois de quatro anos, aquela imagem ainda queima na minha cabeça.
Uma mulher de preto.
Jovem mãe que acaricia a filha morta.
Seu rosto marcado pelas lágrimas e sofrimento permanece tranqüilo no gesto de carinho em meio aos corpos de tantos outros filhos cujas mães talvez também sejam corpos inertes nas macas manchadas pelo sangue e pelo ódio secular.
A outra mão apóia a garganta como que para conter o grito de clamor que ela sabe ser inútil diante do fato que está consumado.
O que se passa na cabeça dessa mulher? Que pensamentos seriam os de quem vê um filho, o único talvez, assim arrancado de modo tão estúpido e covarde da vida que mal começara?
O que pensa essa mãe ao acariciar o rosto da filha morta? Talvez lembranças da tenra infância, do primeiro sorvete, do piquenique no campo. Do seu primeiro dia de aula.
O que há por trás desse rosto insondável, que apenas abre de si para o mundo um sofrimento contido e resignado?
O que e por quem chama essa mãe cuja parte do coração dorme ali, sem vida e cor, num chão que outrora foi palco de brincadeiras e risos infantis?
O que pensa essa mulher que teve seu rosto e seu corpo vestidos de negro expostos para o mundo inteiro, como um símbolo dessa tragédia inimaginável?
Sua solidão invadida e exposta ao mesmo tempo que se revela, esconde um momento de dor que é único e intransferível.
Essa mulher está ali, diante da sua própria morte, contemplando e tocando o seu próprio rosto, como na brincadeira das bonequinhas russas que, ao serem abertas, vão dando lugar a bonequinhas cada vez menores.
Ali está uma mãe que vê na sua filha todas as outras crianças que foram levadas, todas as outras mães que pranteiam seus filhos e netos e sobrinhos e maridos.
Uma dor secreta, mas insofismável, contida porque não há espaço suficiente no mundo todo para cabê-la...
Que possamos todos um dia descansar em paz.
No início deste mês, o massacre de Beslan completou quatro anos.
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9 comentários:
Uma dor tão forte que não há palavras que definam. Uma mae que perdeu o filho me disse isso. Se voce perde pai/mãe voce fica orfã. E se perder o amado, fica viúva. Não há palavra para a pessoa que perde um filho!!!
realmente essa deve ser uma dor q transcende qq coisa pq é contrária à ordem natural das coisas.E sim,Kenia,essa foto é emblemática dessa tragédia.
Bjos e []s
Ivette Góus
Uma dor sem descrição!
Imagina você olhar seu filho morto assim tão brutalmente, como entender isso. Acho que até hoje esta e outras mães desse episódio têm um buraco no meio do peito.
Por isso a gente tem que ler, opinar, manifestar nosso desagrado, nossa rejeição, nosso sentimento, lembrar assim como você está fazendo através desse post, porque o mundo é governado por homens que têm o poder da vida e morte sobre nós e dos nossos entes queridos.
O que eles não sabem é que terão que responder muito mais ao Divino um dia, por terem tido tanto poder nas mãos e feito mal uso dele.
um bom dia e beijo carioca chuvoso prá você.
"...Oh, pedaço de mim
Oh, metade arrancada de mim
Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu..."
:'(
Vim saciar a minha crise de abstinência mas essa post me um deu arrepio gelado...
Se fosse possível definiria essa foto em dois momentos na minha vida. Lembro, há quatro anos, do choque que foi esse massacre, a dor naquele momento foi social,a visão de uma pessoa, que assiste mais um espetáculo da idiotice humana, estarrecida! Hoje, ao ver a foto, meus olhos marejaram. Quatro anos depois, sou mãe e a imagem dessa mãe fere de um jeito insano. Impossível definir essa dor, inatingível...
so'se sabe o tamanho dessa dor
quem passa por ela
eu confesso que por mais que eu sinta
tenho certeza que nem chego perto dessa realidade
e tenho certeza que quem passa jamais vai consegui-la medir
jamais
ela nao tem fim
A dor de perder uma mãe eu conheço. A dor de perder um filho, se maior ou pior, não consigo imaginar.
O mundo é tão vil!
Prefiro pensar que, ao morrerem, nossos queridos estão melhores do que nós. (Embora não haja um dia em que não os queiramos pertinho de nós).
Se não me engano, eu já havia lido esse texto lá no teu antigo flog.
Texto forte, cena idem!
Mexe com o mais íntimo do nosso ser!
Mas a dor no coração dessa(s) mãe(s) imagino que seja indescritível.
Ao relembrar, só posso chorar com ela(s) e registrar o meu repúdio a entes tão cruéis e insensíveis.
R.
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