sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Sala de aula

ami

No dia dos professores, uma conhecida perguntou se eu gostava de sala de aula. De pronto, respondi que não. Estou afastada do meio há alguns anos e tomei essa decisão porque já não agüentava mais o cansaço - houve época em que eu entrava em sala às 11 da manhã e saía às 22h, com intervalo, claro, afinal, com escravo branco há que se disfarçar um pouquinho -, vivia afônica, tudo isso sem contar com o auxílio luxuoso de determinados alunos, que me lembravam a cada dia o quanto eram inúteis a motivação, a preocupação e a vontade que eu tinha de fazer as coisas acontecerem. Ah, caso alguém tire uma conclusão precipitada, adolescentes eram minoria entre os meus alunos...

Por outro lado, devo à sala de aula ter sobrevivido a uma separação. Não digo que ilesa, seria mentira e estaria dando muita moral para os meus alunos, muitos deles hoje leitores do blog. Vocês são uns chatos, mas sabem, né? Pois bem.

No meio de um período caótico, preenchido por incertezas, vazio, decisões a tomar, vazio, malas por fazer, malas por deixar, raiva, vazio, pena, negação, afirmação e mais vazio, eu só esquecia de mim dentro da sala de aula. Com meus alunos bons, que sabiam que as minhas paradas eram para respirar e não para outra coisa qualquer e respeitavam isso. Com meus alunos malas, que não entendiam nada e seguiam me cutucando, me testando, me enchendo a paciência para ver até onde eu suportava. Sim, sou grata a eles também porque me ensinaram que a imbecilidade tem sua serventia, especialmente quando ela impede de enxergar o óbvio e o óbvio muitas vezes é o detonador de todos os castelos de areia.

Nunca agradeci aos meus alunos, mas hoje é o dia. Pelo respeito, pela paciência, pela dignidade com que depois de cada esculacho meu (na maioria das vezes com razão) seguiam adiante, pela meia dúzia que ficava atenta e me trazia de volta ao ponto onde parei, depois das minhas muitas digressões, pelo afeto e pelo fato de fazerem questão de lembrar que eu era melhor do que eu achava que era. Muito obrigada.

E também agradeço a Maria do Carmo Queirós, Laurentino, Paulo Rosas, Luci di Biasi, Marlise Vaz Bridi, Maria Helena Peixoto, Hugo da Costa, Zélia Borges, Andrea Saad Hossne, João Sayeg, Maria Theresa Zambonim e Noemia Davidovich por terem me acompanhado a cada aula, por motivos e inspirações diversos. Eles, professores em
períodos distintos da minha vida, estiveram comigo nas muitas salas de aula, em cada poema lido, em cada tentativa de tornar phrasal verbs uma coisinha bacana aos olhos de uma audiência estarrecida, em cada análise de texto, em cada voada minha disfarçada de pausa estilística, eles, meus santinhos de cabeça - só não digam a Hugo que eu falei em santo de cabeça porque o gringo tem pavor de macumba.

16 comentários:

Lucard disse...

Nós que te agradecemos Teacher, por ter nos aturado. E ainda bem que alguns de certa forma te auxiliaram, motivaram, sem nem mesmo saber que isso estavam fazendo. Quase alguns anos se passaram e ainda lembro do primeiro THREE. Das idas a Tia Gorda nas quintas, o Friendly Egg, etc etc etc e tal. Beijo imenso deste amigo, ex-aluno, que te ama eternamente.

1
2
3
Drag Queen

Repeat

Air Bag

Giovanni Gouveia disse...

Cris tem o mOmento de catarse dela, ao mesmo tempo que morre de inveja por não poder fazer o mesmo, assistindo "fundão", com João Gordo, que faz o que todo professor tem vontade de fazer com aluno mala:
"VOCÊ É BURRRRRRRRRROOOOOOOO"...

bvcoayag

Anônimo disse...

sala de aula gera mesmo esses sentimentos antagônicos,sei disso por experiência própria.Fui muito feliz com o magistério,era aquilo q antigamente se chamava vocacionada.rsrsrs
Acho q seus alunos tiveram sorte de ter vc e vc a eles.Lindo texto.

Bjos e []s

Ivette Góis

Paola disse...

Kenia,
eu sei o que é isso.
Vivi algo parecido no meu último ano de sala de aula.
Para mim o caso foi simplesmente exaustão. Dei tudo que tinha para dar, me esgotei, o prazo de validade venceu, finito.
Sala de aula é uma experiência pessoal e intranferível.
Vivi todo tipo de sensação. mas aos quarenta e tantos anos o primário é "punk" demais!
Cada um tem seu limite, o meu eu conheci.
Foi bom enquanto durou, sorte dos que foram seus alunos!
PAola

Kenia Mello disse...

Ah, isso de aluno burro é complicado. No meu caso, havia os que não levavam jeito para idiomas, acontece, paciência. Não tinha vontade de chamar de burro, take cooking or piano lessons seria a minha catarse.
A imbecilidade a que me refiro é a babaquice mesmo, coisa de aluno que vai pra sala de aula para testar o professor. Devem ter alguma tara reprimida com a classe (docente). :P

Anônimo disse...

A matéria é linda! Pois agora nos conte, o que é capitar alunos para uma aula? Eu que a diga ...fazias muito bem e de forma convincente e quem dava as aulas era eu... E foi assim que nos conhecemos. Numa secretária de curso de inglês. Beijos. Eliézer

Kenia Mello disse...

Eliézer, mano, eras de ti! Hehehe
Naquele tempo eu era comercial e você, na sala de aula. Por ironia do destino, mudamos de lado. É, as famosas voltas que o mundo dá. :)
Volte mais aqui.
Beijos pra você e Ida.

Anônimo disse...

Opa!
Dei uma sumida... mas já tow de vorta:)
Muito bacana esse texto em forma de agradecimento.
E essa frase aparentemente banal "Eu só esquecia de mim dentro da sala de aula", é simplesmente incrível pois tem o poder de autenticar o verdadeiro educador no seu papel transformador e que hoje está quase em extinção.
Eu bem sei que essa interação, essa COM-vivência, esse chamado a pensar, a raciocinar, nos enriquece possibilitando um crescimento amplo, pois tb tenho uma história meio parecida tendo me tornado professora muito jovem, começando como monitora aos 13 anos de idade.
Acho muito legal de sua parte agradecer a seus alunos ( até aos malas rsss) pois certamente vc sabe que muito se aprende ensinando!
Parabéns!
R.

Anônimo disse...

Esquecer de mim dentro da sala de aula, como fiz isso em um determinado momento... mas, gostava, dos alunos, de preparar aula, de ver o progresso da turma... Dei aulas de informática, antes disso virar feijão-com-arroz ali na esquina. Dava aula num curso sério e lembro com carinho vários momentos inesquecíveis que vivi em sala (me deu vontade de escrever um post sobre isso, rs).

Anônimo disse...

Hey teacher!

Leave the kids alone!

Kenia Mello disse...

Repórter, deixei faz tempo. Hehehe

Reporter Bacurau disse...

Falando sério:

Você não acha que esse modelo de educação do professor transmissor de conhecimento já deu o que tinha que dar?

Eu sempre adorei aprender, mas não gostava muito de aula não. Na faculdade, quando o professor era ruim, eu o ignorava. Ficava a aula toda escrevendo merda na beirada do caderno. Estudava e aprendia sozinho. Acho que fiz 60% do curso assim, pois estudei numa péssima faculdade.

Acho que é isso que causa exaustão de tanta gente. É preciso mais participação da classe, mais colaboração, descobrir e produzir conhecimento junto. Deixar que os alunos descubram as coisas. O professor tem que ser mais facilitador do que professor. Abandonar o jeito professoral, do cara que sabe tudo.

Diz aí...

Gláucio Almeida disse...

Eu adorava as tardes de aula no Senac. Tempo bom aquele...

Te agradeço por tudo, pelo conhecimento compartilhado, pelo incentivo, pela amizade, pela confiança.

Agora, a vida de escravidão branca passou a ser minha... hehehe... E eu sei o quanto é difícil manter a paciência e o bom humor numa sala de aula.

Thank you!
Kisses

Anônimo disse...

Espero não ter sido um dos mais pentelhos dessa tua relação Tia Kênia.
Chero
Cícero

Kenia Mello disse...

Cilço, quando você não estava dorminddo, era um excelente aluno. Hehehe
E olhem que as minhas aulas eram animadas.

Anônimo disse...

Não sabia que vc era professora. Parabéns atrasado. Adorei o post e por dividir com a gente seus sentimentos de forma sincera e aberta.