segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

As mortes de Eluana






Depois de ter vivido em estado vegetativo por dezessete anos, morreu, agora a pouco, a italiana Eluana.

Em meio a uma disputa que envolve religião e política (ou seria mais adequado falar em oportunismo?), o pai da moça vinha lutando há anos pelo direito de suspender a alimentação da filha e assim poder pôr fim ao seu sofrimento.

Sem receber alimentação e hidratação há três dias, às 20h10 locais (17h10 de Brasília), a moça se foi. Mas o seu caso reacendeu a discussão em torno da eutanásia. Tema espinhoso que suscita muita polêmica porque mexe num vespeiro danado que é a questão do direito de interromper uma vida. E na base da discussão, os dois antagonistas de sempre: religião versus razão.

Particularmente, sou favorável à eutanásia. Entendo perfeitamente o desejo desse pai de acabar a agonia da filha, que mesmo não sentindo dores, tampouco sentia a vida e todas as possibilidades que as pessoas em pleno gozo das suas faculdades físicas e mentais desfrutam. E não deve ter sido uma decisão fácil de ser tomada, não. Sua luta pelo direito de Eluana morrer começou dois anos depois do acidente de carro que a vitimou.

Aí eu pergunto: alguém tem o direito de julgar esse pai? Quem poderia recriminá-lo porque ele decidiu dar um basta numa situação irreversível? Alguém poderia dizer a esse homem que esperasse por um milagre? Você teria coragem de exigir isso dele? Eu, não.

E o que tem sido explorado para condenar a eutanásia no caso dessa moça basicamente é o fato de terem sido retiradas a alimentação e a hidratação. Era este o argumento que até então vinha sendo usado por quem defendia a permanência de Eluana, morta, no mundo dos vivos e que agora vai ser mais explorado ainda: mataram uma pessoa de fome e sede.

Confesso que balancei um pouco com essa perspectiva, que não deixa de ser verdadeira até certo ponto. Mas alimentar uma pessoa como a única forma de mantê-la viva, sem que haja por parte dela qualquer manifestação de entendimento e interação é tirar realmente uma vida?

No lugar do pai de Eluana, inicialmente eu iria esperar que um milagre acontecesse. E não entro no mérito de milagres serem possíveis ou não. Entro, sim, na visão aterradora do desespero de querer que o mundo não desabasse me levando o que há de mais precioso. Eu também seria, não sei por quanto tempo, egoísta: iria querer minha filha ao alcance dos meus olhos, mesmo que ela não pudesse me ver, ouvir e sentir. Ia querê-la ligada a mim nem que fosse apenas para que eu pudesse despedir-me dela um pouco a cada dia. Mas uma hora chegaria em que eu compreenderia que minha filha não estava mais ali. Seu sorriso, sua voz e seus sonhos já tinham partido, ao passo que ela jamais sairia de dentro de mim, por mais que seu corpo fosse definitivamente reconhecido como morto. Seria muito egoísmo da minha parte mantê-la viva pela minha covardia em lhe dizer adeus.

Sei que o debate envolve idéias como a de alma, direito de vida e morte e mais uma série de conceitos de caráter religioso que tendem a fazer com que os ânimos se exaltem e a razão seja obliterada. Não tenho conhecimento suficiente para dissertar sobre direito canônico e nem pretendo discutir ou criticar a fé alheia. A minha opinião sobre o caso de Eluana é puramente racional: eu, como mãe, agiria da mesma forma que o seu pai agiu. Ele, para mim, foi quem mais sofreu nesses anos todos e sua decisão deve ser respeitada.

24 comentários:

Anônimo disse...

hoje trabalhando com idosos, vez por outra dando passadinhas em hospitais e testemunhando "ausência (qualidade) de vida", chego a conclusão que eutanásia é uma passagem/saída muito digna.

Anônimo disse...

esse Belluscone enfia os pes pelas maos (enquanto tira meleca)

Anônimo disse...

Olá Kenia, excelente a forma como vc abordou o assunto. Relutei em escrever o mesmo tema, pois a pobre Eluana foi por anos a fio instrumentalizada pela hipocrisia popular, pelo monopólio de informações e por correntes políticas que v já conhece, - abrangente e complicado demais para que eu pudesse expô-la sem cair em discurso panfletário. Sou pela razão desde o princípio e me pergunto: porque temos o direito à vida digna e não o mesmo com a morte? E acredite, grande parte da população italiana pensa como eu, mas a mídia prefere desbaratar a pesquisa(de fato nunca foi realizado nem mesmo um referendum)e dar a voz à minoria engajada com a Igreja. Compreendo o que diz Sidney acima. A hipocrisia é dura de morrer, até o dia em que a situação se reverte e ocorra o mesmo com a própria família. LuMa

Anônimo disse...

tb não acho q essa decisão tenha sido fácil para o pai,como não entendo pq levou tanto tempo para q o sofrimento dessa família fosse interrompido.Fico espantada como ainda em pleno séc. XXI,a igreja mesmo em estados laicos tem o direito de decidir e influenciar decisões sobre a vida das pessoas q muitas vezes nem a esse credo (ou a nenhum outro) pertencem.

Bjos e []s

Ivette Góis

Anônimo disse...

Oi, Kenia.
Eu sou a favor da eutanásia. Acho uma escolha digna e justa. Tenho pena do pai por sua luta e pelo que pretendem que sinta de culpa.
A religiao católica ( a maioria de seus representantes ) é de uma crueldade exemplar. Sempre foi e continua sendo. Logo ela, que matou tantos só porque nao acreditavam em seus dogmas.
Ainda bem que a menina morreu antes de conseguirem a lei.

Anônimo disse...

Dezessete anos é muito tempo para uma pessoa ficar em estado vegetativo, presa a uma cama como uma coisa qualquer. Qdo se fala em direito à vida acho q deveriam levar em conta a qualidade dessa vida e o sofrimento q a própria pessoa e a família estão passando.
Tb acho q as religiões e suas igrejas, todas elas, deveriam cuidar mais dos assuntos de seu alçada e não ficar tentando fazer as leis como se fosse na idade média.

anderson.head disse...

não. não gosto de conversar sobre assuntos assim. vem à tona, toda minha indignação com a igreja.

isso é pura hipocrisia, será que eles (por exemplo) manteriam um Papa, como João Paulo II, por 17 anos nesse situação. Eu marcaria, não. muita política envolvida!!

agora vem com essa. eu sei. não é só a igreja. mas de politicos, aí mesmo que não entro no assunto.

acretido que o pai sofreu mais tentando pela Eutanásia, do que quando a filha morreu.

são coisas inexplicáveis desse mundo modernos e globalizado que vivemos!!

um abraço e execelente abordagem.

Ela é carioca disse...

Não tenho uma opinião formada sobre a eutanásia, não se sabe se a pessoa quer ou não morrer, não se sabe se ela tem consciência, é um tiro às cegas.
Sabe-se que a eutanásia é o fim de um sofrimento, mas não sei se o fim deste sofrimento é do paciente ou de sua família.
Sei que a Igreja mete o bedelho onde não é chamada, assim como outras Igrejas. Porém, o que esta em discurso é a vida, isso vai além dos limites de qualquer religião. Para se retirar uma vida tem que se pensar muito, e quando o sofrimento não é claro ou eminente me resguardo na posição de contra ou a favor.

Kenia Mello disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Kenia Mello disse...

Paulinhaaa, você acha que dezessete anos não foi tempo suficiente para se pensar muito?
E se ela não estava sofrendo, fato que atestaria sua condição de vegetal, como era o caso, ela deveria continuar viva? A família também não tem o direito de parar de sofrer? Não seria legítimo também atentar para esse detalhe? Porque senão a coisa assume o contorno de conveniência: a família quis se livrar do fardo...
Sei que o assunto é difícil porque lida com conceitos difíceis de serem delimitados, mas a situação dessa moça era absurda, convenhamos.

Anônimo disse...

"não se sabe se a pessoa quer ou não morrer, não se sabe se ela tem consciência, é um tiro às cegas"

Eu acredito que mesmo que a pessoa tenha consciência de sua condição (principalmente se tiver!), ela seria a última pessoa no mundo a querer estar nessa situação. Vide os casos de desejo de eutanásia de pessoas conscientes.

Kenia Mello disse...

Hayana, seja bem-vinda! :)

Anônimo disse...

Li com atenção e me prendi na expressão - inclusive muito usada -religião versus razão.
Razão devia ser - e é - parte de uma vida espiritual saudável.
Não faz muitos anos, ficou muito claro pra mim que religião e suas normas matam muito mais!
Eu, particularmente, creio que Deus estabeleceu um processo natural para pôr fim à vida, porém também creio que Ele mesmo estabeleceu ainda alguns casos em que se exige decisão humana.
A vida é sagrada e Deus é soberano sobre ela. Mas pela vida, e não por um estado vegetativo.
Cabe ao homem tomar medidas acertadas.
Belo texto.
bj
R.

Beth/Lilás disse...

Gostei dessa frase da R.:
"A vida é sagrada e Deus é soberano sobre ela."
Então, Deus é uma coisa, religião é outra para mim.
E como creio em Deus, mesmo não professando religião nenhuma, sou pela eutanásia também.
bjs cariocas

ATG disse...

Eutanásia, sim. Drs. Kevorkian, não.

Beijos

Anônimo disse...

Amiga, li todos os posts anteriores, e estou impressionada como estás escrevendo bem. Aliás sempre teve este dom, mas como fazia tempo que não nos falavamos eu tunha esquecido esta sua habilidade.

Bom, queria comentar várias coisas. A primeira é que adorei este espaço que criaste, onde podemos discutir com pessoas cultas sobre assuntos tão importantes da nossa atualidade.

Segundo, que este assunto da eutanásia é de fato polêmico. Penso que tb não sei se aguentaria ver minha filha em estado vegetativo e não ter o desejo de acabar com este sofrimento. Aliás viver sem minha filha, talvez não seria possível, mas tb questiono um pouco até que ponto vai nossa vontade. Ou seja será que desligar os aparelhos seria a melhor forma? Será que realmente não teria outra solução? Não sei se teria esta coragem, mas jamais julgaria este pai nesta situação, mto pleo contrário, tentaria entender sua atitude e o apoiaria...

Quanto aos posts anteriores, eu amei!!! Me policio mto para não ser consumista com a Gabi, para não dar tudo que ela pede e para ela valorizar as coisas que possui. Mas mtas vezes me sinto em desvantagem diante da mídia e da educação que outras crianças recebem. Não deixo comer porcarias (salgadinhos, bolachas recheadas e refri) e na primeira oportunidade que estão os amiguinhos juntos, o que eles levam para comer??? Só gordura saturada pura!!! Aí é desleal!!

Não permito que veja novelas, ou tv aberta, mas que que adianta??? No Discovery Kids (que eu considero como educativo)a mídia invade meu sofá com as ultimas barbies e novidades... assim dica bem dificil. Aliás, educar não é uma tarefa fácil!!

Bjosssss

saudadess

ps: postei no flog... to voltando aos poucos...

Ateliê de Cestas disse...

Dignidade é um direito de todo ser humano e faço questão de respeitar esse direito. Minha mãe teve câncer de cérebro e ficou em coma vigílica (coma de olhos abertos) durante 10 dias. Um dos médicos que a atendiam me procurou e disse que mamãe iria morrer de parada respiratória e que ele não tentaria ressucitá-la. Concordei imediatamente pois, como o caso dela era neurológico, seria uma agressão revivê-la pra poucos momentos depois, ela voltar a morrer.
Particularmente, já expressei minha vontade a minha família. Assim que for detectada a morte cerebral, mesmo que haja a possibilidade de sobrevida com aparelhos, todos estão terminantemente proibidos de me ligarem a máquinas! E que sejam retirados todos os orgãos e tecidos e feita a doação.
Acredito na dor e no amor desse pai e não quero pra mim, nem pra ninguém, a angústia e sofrimento dele por tanto tempo!

Unknown disse...

Sou totalmente a favor. Raros casos, como do americano Donny Herbert que despertou do coma de dez anos pra morrer alguns meses depois, viu tudo
que não viveu e fim. Foi bom pra ele? Ou pra familia? Nao sei.

Anônimo disse...

Gostei do espaço, Kenia. Muito, muito mesmo. Aparecerei outras vezes para deixar comentários mais relevantes.:)
Beijos,
Karyna

Kenia Mello disse...

Amandinha e Karyna, sejam bem-vindas! :)
Beijos.

Ela é carioca disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ela é carioca disse...

17 anos é muita coisa, mas tem casos de pessoas que depois de 15, 17, até 20 anos que acordaram do coma, fico me perguntando se ela não teria uma chance, mas também, não sei se ela queria esperar por essa chance, entende? Por isso digo que não tenho uma opinião formada, porque acho que essa decisão é muito pessoal ,até para ser tomada pela família, eu particularmente preferia a eutanásia e meus parentes tem plena consciência disso, mas é muito complicado quando não se sabe o que a pessoa quer, pode dar a entender que a família quis se livrar do fardo, enfim é um caso muito polêmico.

Blog de Jackson Junior disse...

Concordo sim contigo, amiga Kenia. E comigo também todos os meus familiares sabem que com morte cerebral, sejam doados todos os órgãos e tecidos possíveis e passiveis de serem doados. Sou completamente a favor da eutanásia.
Com relação ao caso, achei puro egoísmo não do pai da moça, mas dos grupos que queriam impedir procedimento.

Anônimo disse...

Muito interessante sua opinião!!!