domingo, 19 de julho de 2009

Esprit d'escalier



Sem modéstia, eu sou dono de um dos maiores esprits d’escalier que conheço.

Esprit d’escalier é aquela resposta adequada na qual você só pensa muito tempo depois de levar um belo desaforo nas fuças. Por isso o nome, espírito de escada: a frase perfeita que só lhe vem quando você já está descendo a escada, batendo em retirada, humilhado. É o consolo dos idiotas.

Depois da hora certa, eu posso ser genial. Sem ninguém na minha frente, eu sou brilhante.

Mas de vez em quando eu penso na coisa certa na hora certa, e esses momentos me enchem de orgulho, e meus netos me ouvirão repetir essas mesmas histórias vezes e vezes a fio, daqui a muitos anos — tanto mais porque são muito poucas as vezes em que consegui esse feito.

Aconteceu isso em Londres, uns meses atrás, ali perto do Ritz. Eu estava com fome. E já estava meio cansado de comprar aqueles takeaways nas Sainsbury’s da vida para comer sentado em algum parque ou praça.

Foi quando a gente viu uma Pizza Hut. Pizza Hut deve ser barato, foi o que a gente pensou. É a única vantagem dessa comida ruim que se espalha pelo mundo: o gosto pode ser uma droga, mas pelo menos os preços são acessíveis. É o que faz você tolerar um McDonald’s, uma Pizza Hut, uma Domino’s, um Burger King, essas coisas que se espalham como praga com seu paladar uniformizado e industrializado e que tornam o mundo um pouco mais pobre.

Quando a gente entrou, uma moça veio nos receber com o menu na mão e nos encaminhou para a nossa mesa.

Era um sinal, e mau. Obviamente, nós não fomos inteligentes o suficiente para perceber o óbvio: uma Pizza Hut nas imediações do Ritz poderia ser tudo, menos barata.

Sentamos à mesa que a moça indicou e abrimos o cardápio. E então os preços saltaram aos nossos olhos, e eram libras pesadas sobre nossos bolsos depauperados.

Eu não ia comer ali. Era caro demais. Eu podia dar à minha pobreza uma outra desculpa, a de que o preço não era apenas alto, era exorbitante diante de comida ruim, mas para ser honesto não era essa questão, não diante da minha fome: era só falta de dinheiro, mesmo.

O que me deixava com um novo problema, que se juntava à minha fome.

A gente tem vergonha de umas coisas bobas na vida, que à medida que o tempo passa vão ficando mais ridículas. Isso de sair de um restaurante porque não pode pagar, por exemplo. Se eu fosse rico, não ligaria de olhar os preços, torcer o lábio e me levantar fazendo cara de nojinho, e ainda dizer no mais esnobe sotaque inglês “Oh, dear, it’s improperly expensive, and it’s not worth it!”. Mas para mim, que aprendi com minha mãezinha que a gente era pobre mas era limpinho, é uma coisa meio vexatória esse negócio de levantar de uma mesa depois de ver os preços. É uma confissão meio humilhante. Dá vergonha. Se eu pelo menos tivesse saído antes de abrir o cardápio.

Mas não era só isso que me mortificava. Imagem de brasileiro lá fora já é tão ruim, meu Deus. Pior em Londres, lugar onde a polícia gosta de matar brasileiro no metrô. E lá ia eu avacalhar ainda mais a impressão que as pessoas têm do meu cantinho. A partir daquele dia, a moça que nos recebeu à porta, quando entrasse mais um brasileiro, diria baixinho para as suas colegas: “Olha, lá vem mais um brasileiro que não pode pagar uma pizza. Vai lá atender esse povo, Elizabeth”.

Mas Deus protege os tolos, é o que dizem, e enquanto me levantava e me encaminhava para a saída eu de repente percebi que havia, sim, uma frase que eu poderia dizer e que resgataria a minha honra e a minha decência, e defenderia a honra do meu país como um Duque de Caxias ou um Almirante Tamandaré, e falei bem alto, para que todos me ouvissem:

– Yo me voy, acá es muy caro! En Argentina no es asi!

E saí de lá com a impressão de que fiz mais pela imagem do meu país do que quinze Lulas e oito Celsos Amorim.


Fonte: Rafael Galvão

2 comentários:

jose luis disse...

eu demoro umas 4 horas pra conseguir a resposta

Beth/Lilás disse...

kkkkkkkkkkkkkk
Adorei!
Que final inusitado!
bjs