sábado, 16 de janeiro de 2010

O Haiti definitivamente não é aqui...



Eu já desconfiava e hoje confirmei. Numa grande rede de supermercados aqui de Recife, cujo nome é apenas um engodo porque os preços não são bons nem nada, pratica-se um dos piores crimes: a falta de solidariedade para com os que têm fome. Em conversa com um funcionário, fiquei sabendo que todos os produtos que não se adequam ao nível de exigência do consumidor que frequenta o estabelecimento, seja pela aparência, no caso das frutas, legumes e hortaliças, seja pela proximidade do fim do prazo de validade - que pode chegar a até uma semana! - , esses produtos encalhados têm destino certo: o lixo. Mas não foi isso que mais me chocou, pois, conhecendo a política predatória do grupo que vem administrando a rede de supermercados, a revelação não me soou como novidade. O que me deixou pasmada foi a maneira como eles são descartados. O funcionário me explicou que todos os produtos, de todos os tipos (comida, material de limpeza etc.), são lançados ao mesmo tempo numa espécie de máquina trituradora junto com o lixo que o estabelecimento produz, inclusive o dos banheiros! Ou seja: para que não haja chance alguma de serem reaproveitados.

E não se trata de produtos impróprios para o consumo, mas apenas que não se adequam ao consumidor padrão desse supermercado.


Um tomate como esse aí do centro é um exemplo do que é descartado: um alimento perfeitamente aproveitável retirando-se a parte estragada .
(Clique nas imagens para ampliá-las)





Outro exemplo: não estão iguais à da Branca de Neve, vermelhinha e tentadora, mas são igualmente aproveitáves, especialmente por quem passa fome...








O que custava fazer um convênio com asilos de idosos ou comunidades carentes ou orfanatos – o que não falta é carência – e destinar esses restos a quem realmente precisa e não tem de onde tirar? Que prazer sádico é esse corporificado numa máquina que destrói pelo simples objetivo de destruir e, o que é pior, de não permitir que esses produtos sejam retirados do lixo? Não dá para entender. A lógica por trás disso só pode a de que, ao deixar os produtos à disposição para coleta no lixo, as pessoas se acomodarão e nunca virão a ser consumidores. Mas será só isso? Pois eu levo para o lado pessoal, sim, e digo que é ruindade mesmo, falta de humanidade, porque para vir a ser consumidora, a pessoa precisa minimamente produzir, trabalhar, e se não tem o que comer, como fica? Não é fácil conviver com uma coisa dessas. Boicotar o supermercado? É uma possibilidade e eu posso fazê-lo tranquilamente. Mas o que dizer da maioria do público que frequenta essa rede, o cliente habitual e não aquele que vem somente por causa das promoções, que, quando vai comer fora (não vou nem entrar no mérito do desperdício que deve praticar na própria casa...), costuma deixar o prato assim?





Adianta esperar de gente assim alguma mobilização contra o estabelecimento e a sua política do desperdício perverso?

18 comentários:

Ana R. disse...

Não é nada fácil lidar com os ignorantes de plantão. O problema é sempre a educação. Pessoas bem educadas, têm outra atitude. Mas parece que estamos dominados pelos estúpidos. Eles estão realmente em maior número na nossa realidade. Tem aquela mentalidade: não vamos oferecer nada, senão vai ter fila de pedinte todos os dias aqui na porta....Tem de tudo. Por isso que eu acho muito importante que cada um faça a sua parte, pelo menos para não agravar mais a ignorância que beira a maldade. A gente não vai conseguir mudar o outro, nem pela atitude. Eu vejo as barbaridades feitas por vizinhos, eu procuro fazer o bem comum, mas ninguém está nem aí. E não existe união e sabedoria para fazer boicote. A sociedade não sabe do poder que tem. Então só nos resta fazer o melhor em cada detalhe diário.

Unknown disse...

realmente é muito revoltante ver q no Brasil,um país cheio de desigualdades e com tantas necessidades,pratica-se uma barbaridade dessas.E o Haiti não é mesmo aqui pq pelo q vemos,recursos aqui abundam,ao passo q lá...
Essa prática q vc vê aí,Kenia,é comum em muitos e muitos estabelecimentos.Não dá mesmo para compreender,mas principalmente aceitar tamanho desperdício diante da pobreza e da miséria ainda grande do nosso país.
Isso deveria virar caso de polícia.

Bjos e []s

Beth/Lilás disse...

Pois é, como já disseram, revoltante, indigno de um país com tantas necessidades.
Dá vontade de ferrar com um estabelecimento assim, não dá!
abraço carioca

Dani (ela) disse...

já ouviu falar na rede Perine? (rede chic de delicatessens). Bem, os lindos salgados e doces e bolos e pães e tudo o mais que não vende no dia, são jogados fora. não estão vencidos, nem estragados; só não podem ser vendidos 'amanhã', e nem doados.

entenda...

(só aqui em Salvador devem ter umas 7, desde pequenas lojas em shoppings até mercados da rede).

Lúcia Soares disse...

Kênia, esta é uma prática mundial. Os estabelecimentos não podem doar alimentos "passados", ou vencidos, ou às vezes com um mínimo defeito, porque se acontecer de alguém passar mal, ele é multado, julgado e condenado a pagar "milhões" (não sei a quem, mas não ao que comeu o estragado).
Um cunhado meu fêz uma negociação, debaixo dos panos, com uma lanchonete mundialmente famosa, que jogava fora, diariamente, os pães e carnes dos sanduiches que não tiveram saída. Pães novinhos, que não endurecem de um dia pro outro...Uma pessoa do establecimento, que corria o risco de ser mandada embora, de ser denunciada, ainda assim lhe passava o pacote de pães e os hamburgueres (?) e ele os dava a um asilo. Não era nada velho, era do dia, e seria dispensado! Uma coisa de louco. Eu nunca gostei dos sanduiches com o mesmo gosto, seja lá qual fosse, da rede, e já não consumia mesmo...Mas durou pouco, mesmo não sendo "descoberto", o carinha se mandou de lá, acho que também enojado.
A filosofia da Vigilância Sanitária é simplista: se não está bom para o consumidor que paga, também não está bom para doações. Muito "humanitário", não?

Kenia Mello disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Kenia Mello disse...

Lúcia, concordo com essa lei no que ela tem de exemplar: nenhum ser humano deveria comer um alimento estragado: se não é bom para quem paga, também não é bom para quem não pode pagar. Em países ricos, nos quais as desigualdades sociais não chegam no nível da carência alimentar básica, ok. Mas aqui (e em outros lugares, infelizmente), a coisa deveria ser flexibilizada porque não se trata de restos, de lixo ou de comida estragada. E a coisa tanto é possível que essa mesma rede de supermercados, há algum tempo e sob outra administração, contou-me também o funcionário com quem conversei, tinha um acordo com uma entidade em um projeto que ele citou o nome, mas que não recordo agora, que fazia a recolha de alimentos e demais gêneros três vezes por semana: a entidade mandava uma kombi com voluntários que recolhiam tudo, sem que os supermercados precisassem gastar um centavo. Como se vê, o que falta é boa vontade mesmo, que se traduziria em saídas criativas já que as nossas leis, na maioria das vezes, são lindas na teoria, já na prática...

Anônimo disse...

Eu já vi uma reportagem sobre o recolhimento dos alimentos mais feiosos na Central de São Paulo, justamente para doação em asilos, creches, sopão, etc. Os alimentos eram selecionados e viravam refeições ótimas.
Também já soube dessa questão jurídica... mas como você disse, não se trata de alimento estrago ou lixo é apenas um tomate com uma mancha, uma fruta com um amassado...apenas meio feioso.

Se não serve pra vender e gerar grana também não serve pra doar....vai ver é por aí.

Naná

Unknown disse...

Infelizmente a Lúcia tem razão, porém se estes alimentos fossem doados a uma central administrada por cada município, talvez, poderia ser feita uma triagem e repassada a população carente, é uma idéia!

jose luis disse...

boicote neles

André Costa disse...

A culpa mais uma vez são dos advogados. Sempre vai aparecer um para entrar na justiça contra quem forneceu o "alimento estragado". E como a justiça nem sempre é justa...

Caso análogo ocorreu numa maternidade pública daqui do Recife, onde uma mulher com AIDS não informou ao pessoal da infermagem sua situação e entrou na justiça alegando transmissão da AIDS para seu filho por ter amamentado. O juiz deu ganho de causa para a infeliz, mesmo sendo informado que a probabilidade deste tipo de transmissão é mínima e a mãe escondeu a informação.

Quem perdeu foram todos os recém-nascidos. Agora a orientação é que a mãe só amamenta se tiver exame negativo para AIDS. Caso contrário, fórmula no bebê (NAN).

Então, acho que a culpa não é do supermercado, é do egoísmo humano de um modo geral. A justiça deveria ter mais cuidado ao proteger o indivíduo para não afetar o todo.

André Costa

Anônimo disse...

Acho que a justiça deveria sempre lembrar uma frase dita pelo personagem Spock no filme Star Trek II, quando ele morre para salvar a Enterprise. "the needs of the many outweigh the needs of the few."

Coronel Yanossauro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
DILERMArtins disse...

Mas bah, guria.
Sua postagem me fêz colocar uma de minhas frases lá no ARTeiro: "Para vencer a fome do mundo, duas coisas são necessárias: Fraternidade e combate ao desperdício.
Infelizmente os manuais do Capitalismo(selvagem) mandam destruir o excesso de oferta para manter os preços.

Unknown disse...

É vergonhoso ter conhecimentos desses fatos. Sou voluntário numa creche aqui em Garanhuns e recebemos mensamente doações do banco de alimentos do Sesc e de outras empresas alimentícias da cidade, muito diferente do que esse tal maupreço faz.

Paty Brandão disse...

"Nos barracos da cidade
Ninguém mais tem ilusão
No poder da autoridade
De tomar a decisão
E o poder da autoridade, se pode, não faz questão
Mas se faz questão, não
Consegue
Enfrentar o tubarão

Ôôô , ôô
Gente estúpida
Ôôô , ôô
Gente hipócrita"

Já acompanho teu blog há um tempo e hoje faço minha estréia nos cometários. Ao ler o post, logo os versos dessa canção vieram a minha mente.
Um abraço e parabéns pelo blog.

Sophia e Felipe disse...

Kenia,
Quanto tempo nao passo por aqui... vida atribulada!!!
Mas o que a Lucia falou é verdade.
A lenda (ou nao), conta que o bob's quase faliu por conta disso. Eles doavam, e uma das instituições que recebiam os alimentos colocaram eles em juizo por alguns terem passado mal.
Absurdo.
Mas infelizmente é isso que acontece.
bjs

Lívia de Mello disse...

O mesmo acontece em um restaurante famoso, de uma dupla sertaneja mais famosa ainda(e em tantos outros, mas desse eu via a reportagem). Lá, as toneladas de carne assada, etc. que sobram são jogadas no lixo porque pode fazer mal para alguém e este processá-los o que poderia ser muito oneroso ao restaurante, sequer os funcionários podem usufruir. Vi o mesmo em uma pizzaria dia desses. E alguém está querendo discutir a possível escassez de alimentos no mundo?