domingo, 24 de julho de 2011

A famosa sovinice holandesa



Muito antes de ver com os meus próprios olhos, Paul já me contava episódios da sua infância aqui na Holanda, os quais envolviam o tema comida e a maneira como os holandeses lidam com ela.

Com as nossas vindas de férias para cá, fui vendo como a coisa funciona. Se você visita um parente (especialmente uma pessoa idosa), o ritual segue da seguinte maneira: lhe é servido chá e/ou café e alguns biscoitos, por exemplo, e é esperado (a coisa é implícita, se você perguntar, claro que a resposta será Não! Imagina!) que a pessoa tome apenas mais uma xícara de chá e/ou café e coma mais um biscoito. Um amigo meu, brasileiro que mora há muitos anos em Rotterdam, costuma dizer pras suas visitas (e eu morro de rir quando ouço): pode pegar mais, mano(a), aqui não é casa de holandês, não.



E ouço de muitos brasileiros que moram aqui a mesma coisa: festa de holandês é uma amostra grátis da sovinice, é sempre um pedaço de torta, alguns cubinhos de queijo numa petisqueira, amendoins ou outro salgadinho qualquer e priu. Se é um jantar, a comida é feita de modo a cada um comer apenas um prato, sem ter direito de repetir.



Aí, quando eu ouço e leio esses relatos, inevitavelmente, lembro da minha infância, na casa dos meus avós. Sempre tivemos uma mesa farta, sem grandes luxos, mas uma mesa tipicamente nordestina, com certeza. No entanto, minha avó comandava a despensa e a cozinha com mãos de ferro: não havia desperdícios. Para se ter uma ideia, a manteiga vinha em porções individuais, em uns potinhos de vidro exclusivos para esse uso mesmo, e a quantidade era suficiente para passar no pão, cuscuz e no que mais apetecesse. No jantar, além do queijo de coalho frito, do pão quentinho, do inhame etc., vinha também a tradicional e gostosa sopa, feita com algumas coisas que sobravam do almoço. Simples assim.

De modo que, procurando analisar a coisa com um certo distanciamento, olho para a História e penso que num continente que passou pelas duas Grandes Guerras, as quais o levaram à extrema fome e à privação dos bens mais básicos, é compreensível que as pessoas ajam de modo sovina. Por outro lado, vejo as festas infantis suntuosas que rolam no Brasil, aniversários de crianças de 1 ano, que nada aproveitam nessas ocasiões, mas que custam os olhos da cara nos buffets e nas casas de festas, uma verdadeira indústria montada exatamente para esse segmento da sociedade (leia-se classe média, cafona e ostentadora, mas isso é outro papo...). E não tem como não pensar também no desperdício que rola, apesar dos inúmeros "pratinhos" (outra coisa horrorosa!) que os convidados levam pra casa.

E no dia a dia? A quantidade de comida que os supermercados jogam fora, que poderia ser perfeitamente encaminhada para creches, abrigos de idosos etc.? Já falei sobre isso aqui. E, por fim, se pararmos para pensar, com a quantidade de pessoas que ainda vivem abaixo da linha da pobreza no Brasil, lá é que não poderia mesmo acontecer uma coisa dessas.

Acredito que essas diferenças devem ser compreendidas mais pelos aspectos cultural, histórico e político e menos pela crítica pura e gratuita. É por causa de visões simplistas e estereotipadas que o mundo, infelizmente, segue em passos largos na direção dos extremismos. Sei que o assunto deste post é sobre algo simples e despretensioso, mas a visão em superfície é algo muito perigoso e com relação isso, devemos estar sempre atentos.


14 comentários:

Paola disse...

TAmbém não gosto dessa história de pratinhos.... acho que dá para pensar num meio termo!
bj
PAola

Kenia Mello disse...

Paola, como lhe respondi lá no FB, coisa não é assim tão radical, não, existem mesas holandesas que fogem desse padrão, conheci várias e de nativos mesmo, é que existe essa visão estrangeira daqui como um terra de gente sovina. ;)

Fabio Barros disse...

ô! Eu adoro um "pratinho"... hehehe

Acho que a comida e a bebida são secundários. O que importa mesmo é estar junto, conversar, rir, etc.

O que acontece geralmente é o contrário: as pessoas são atraidas pelos comes e bebes e não pela possibilidade de convivência.

Nem tudo Freud explica disse...

Aqui, em Portugal, não passámos por nenhuma das Grandes Guerras, mas sofremos os seus efeitos. Passámos muita fome mas... qualquer família humilde portuguesa gosta de encher a mesa de comida e sentir que pode servir muito em quantidade e variedade. Sentem que é assim que se recebe bem os convidados e insistem para que comam muito, mesmo já estando cheios. Acho que tudo tem a ver com os costumes de cada povo. Eu não sobreviveria a esse costume da Holanda, até porque sou um alarve e se me servem comida, eu faço questão de comer até encher. Eu e mais uns quantos milhões de portugueses. Mas quando visitarem a minha casa vão ser obrigados a comer também :)

S. W disse...

Kenia, eu passei a olhar essa cultura com outros olhos. Eu ainda sinto um pouquinho de vergonha quando vou comer na casa de alguém e vejo o povo olhando pra ver que vai pegar o restinho que sobrou (isso quando sobra), eu tendo entender isso como algo diferente do que eu estou acostumada por diversas circustâncias, é logico que eles não reclamam quando tem fartura. Mas eu ainda adoro uma festa de criança no Brasil, quanta coisa gostosa.

Contei uma vez no meu blog, eu cuidava de mininos gemeos, 5 anos de idade. Um estava na festinha de aniversario na casa do amiguinho, fui busca-lo e levei o irmãozinho que eu cuidava. A festa estava acabando e eles iam distribuir saquinhos com doces. O menino que foi comigo correu pra fila pra pegar também, quando foi avisado que ele não tinha sido convidado da festa e não tinha saquinho pra ele. Gente foi de cortar o coração! Como assim nao tinha mais nenhum extra?

Beijao

Kenia Mello disse...

Fábio, e não é? A mundiça quando vai pras festas, faz questão de passar o dia todo com fome pra comer MUITO! Hehehe

Ale, és tu? Ah, sim, Portugal e sua comida maravilhosa, nem fale! O caso da Holanda é que na Segunda Guerra, com a invasão nazista, até madeira faltou, as casas eram invadidas pra roubarem a madeira das portas e janelas para fazer fogo, por exemplo, e mais coisas desse tipo que você bem sabe, daí a maneira mais comedida com relação a certas coisas -- se bem que, com a influência norte-americana aumentando cada vez mais, o lance do consumismo tem se exacerbado, e isso são os próprios locais quem comentam. Mas veja, muito dessa sovinice é lenda, já fui em muitas casas genuinamente holandesas nas quais a coisa não é desse jeito. ;)

Kenia Mello disse...

Simone, também adoro as festas infantis no Brasil, eu mesma me divirto horrores. Nas de Mariana, eu sempre fiz as lembrancinhas e sacolinhas em número maior, sempre chegava uma criança acompanhando a convidada e realmente ficar sem, como foi com a criança que você cuidava, seria muito triste. As festas de Mariana sempre foram ou na minha sogra, que tinha uma bela cobertura em Olinda, com um terraço ótimo e nele fazíamos a festa, ou no salão de festas do prédio onde morávamos, tudo muito simples, voltado pras crianças mesmo. Acho um absurdo essas festas carérrimas que rolam, as quais só deixam os pais endividados pra poder bancá-las e ainda ter quem saia falando mal, porque por melhor que se faça, sempre tem, viu?

Anônimo disse...

Não sabia dessa suposta característica holandesa mas sou da opinião que se vc vai visitar um parente, não e pra se empanturrar não é mesmo? O problema é que as pessoas andam muito mal educadas, mundiças como vc diz. rsrsrs
Também venho de uma família assim que evitava disperdício, éramos muito pobre e por isso nada deveria sobrar ou ir pro lixo, educada desse modo, hoje sei dar valor as coisas minhas e alheias.

Bjos e []s

Ivette Góis

Alexandre disse...

Observo a dicotomia entre educação e cultura num único tema. Muito do que você falou sobre a Holanda e aprendeu com o Paul, nosso conhecido Pe.Geraldo falava em suas pregações.Quando voce citou os potinhos de manteiga,lembrei-me que mamãe ainda deve possuir alguns.Ela faz questão de mesa farta e sempre falou sobre as regras de etiqueta, de não devermos limpar o prato ou não beber todo o conteúdo.Ora,o meu avô materno,adepto do prato cheio, dizia - me exatamente o contrário,pois, segundo ele,que,se vivo, estaria hoje com 119anos, tinha muita fome no mundo e se juntasse os restos quanta gente não poderia comer?Assim, optei pela teoia de vovô.Prefiro ser mal educado do que desperdiçar comida.Meus parentes maternos do interior,creio que de descendência portuguesa gostavam de prato cheio e se formos visitá-los e não comermos bastante, será uma afronta.Eu prefiro essa cultura que a educação da "etiqueta social" muito parecida com as atitudes holandesas.Penso agora,se essas regras de etiqueta não teriam surgido durante a segunda guerra na Europa Central.

Kenia Mello disse...

Alexandre, dei uma rápida olhada no Google sobre as regras de etiqueta e vi isso (Wikipedia): "(...) A etiqueta também o pode surgir a partir da moda, como na Bretanha do século XVIII, onde atos aparentemente sem sentido, como a maneira com que segurava uma taça de bebida se associou com a classe alta. O que se convencionou chamar de regras de etiqueta, para a Civilização Ocidental, são regras convencionadas a partir da Europa da Idade Moderna, que pouco se alteraram desde então. (...)".

Violeiro Andarilho disse...

Oi, Kênia! É muito interessante observar as diferenças culturais entre os povos, sempre buscando os motivos para melhor entender as atitudes...
Lembro-me de um vizinho meu holandês, em Recife (já vão mais de 30 anos...), que contava aos meus pais sobre o tormento que era o seu banho semanal quando criança. Eu achava um absurdo total: nós aqui habituados a 2 e 3 banhos por dia - mas vá ver a temperatura média daí no inverno pra ver se dá vontade de tomar banho, mesmo que semanal!!! :-)))

Kenia Mello disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Kenia Mello disse...

Eita, Fernando, no inverno, o povo aqui dá uma fedida básica mesmo, mas esse teu vizinho, sei não, viu? Pelo menos o povo que a gente conhece, no inverno, toma banho dia sim, dia não. Deve ter outros mais porcos, mas uma vez por semana é de lascar, acho que ele é que não se dava bem com água, não. Olha que isso é um ótimo tema de pesquisa. ;)

Sweet! disse...

Igualzinho a terrinham, eapoi