quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Quando nasce um filho

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Quando nasce um filho,
Nos pegamos cheios de medos:
De não sabermos cuidar, alimentar e consolar;
De não conseguirmos segurar a barra do cansaço, das noites insones, das olheiras que aumentam mais e mais;
De não sobrevivermos às mudanças, mesmo sabendo que agora temos de fazê-lo por alguém que precisa de nós;
Medo de adormecer com aquela coisinha pequena no braço e derrubá-la no chão;
Medo de nunca mais termos de volta a nossa vida, a própria vida, porque o tempo parece ter adquirido vontade própria;
Medo de um choro repentino assim que conseguimos, finalmente, fazê-lo dormir;
Medo de que não arrote, medo de que não nos queira bem, medo de que sinta uma dor qualquer que não se possa apaziguar;
Medo do inseto que fira, medo da água estar fria ou quente demais, medo que a roupinha irrite a pele tão fina...
Esses são os pequenos e primeiros medos, que somem com os dias e dias que virão...
Esses darão lugar a outros porque a vida agora assume contornos mais reais e essa criatura é tão pequena, tão indefesa...
Depende tanto da nossa lucidez, que, a trancos e barrancos, conseguimos manter...
Mas, depois que nasce um filho,
Um amor tão, mas tão grande transborda de dentro do peito
Que a noção do nosso limite se perde.
Não há palavra, afago, ou lágrima que consiga drenar essa loucura tão misteriosa,
Que é amar alguém assim, tão em profusão.
Aí todos os medos, os grandes e os pequenos, sucumbem
Porque esse amor tão insuspeito
Nos ensina que a medida pra amar alguém assim é deixar
Que essa mão pequenina leve o nosso coração pelos caminhos desconhecidos
Numa história sem fim
De um amor que desconhece o medo.

Kenia Mello

Um comentário:

Coronel Yanossauro disse...

Kenia,
Te dando os parabéns por teres - finalmente - criado um blog, quero te lembrar de uma coisa:
Este é um de teus melhores textos, e está ilustrado por uma das mais belas fotos que já vi.
Uma foto que batizei em minha mente de "Sonho": Uma mulher e uma criança. Uma filha.
Sei que a melhor obra da vida de Paul foi - claro - Mariana, mas esta fotografia, que durante muito tempo ficou pendurada em minha parede, é a sua segunda melhor obra.
Beijos e abraços!