quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Causos de Dona Nau

Minha avó materna era uma mulher forte e direta, mas muito espirituosa e engraçada também. Tinha um anedotário vasto e nele estavam incluídas as suas aventuras.

Sempre que seus sobrinhos se reuniam na casa da irmã Nina e a minha avó estivesse presente, costumavam chamá-la para que contasse seus causos. E sempre havia uma boa taça de vinho ou um copo de cerveja para relaxá-la, já que normalmente ela era uma pessoa séria, cheia de preocupações.

Lembro de um dos causos que fazia o grupo ir às gargalhadas, nem tanto pelo ocorrido em si, mas pela maneira teatral com que D. Nau o contava.

Dizia ela que um dia, já próximo da hora do almoço, retornava de uma visita à irmã mais velha, Dindinha, quando viu um ajuntamento de estudantes. Boa coisa não era, pensou ela, para quem o substantivo estudante estava quase que invariavelmente ligado ao adjetivo anarquista, no sentido arruaceiro do termo.

Rapidamente, D. Nau abriu caminho em meio às moças e rapazes e se deparou com o objeto da troça: um velho que se contorcia de dor de barriga e dava vazão à natureza ali mesmo, rente ao meio-fio.

D. Nau, mulher baixinha, mas brava que só, tratou de dispersar o grupo aos gritos, num misto de fúria e indignação: "Seus nojentos, como é que vocês têm coragem de fazer uma miséria dessas com o pobre assim se obrando? Bando de desocupados!"

Depois do susto nos anarquistas, entrou numa loja de móveis próxima ao local do tumulto e voltou, cheia de providências, trazendo uma grande caixa de papelão, que rasgou ali mesmo, próximo ao grupo agora quieto, mas mesmo assim ainda
observando a agonia do velho. Depois que fez uma espécie de biombo em volta do corpo do homem, D. Nau lhe disse: "Agora, sim, o senhor pode se aliviar sossegado." E não disse mais nenhuma palavra aos tais estudantes, que foram embora também em silêncio.

O que realmente fazia rir seus sobrinhos eram a revolta e a veemência de D. Nau, que sob os efeitos da taça de vinho e dos olhos e ouvidos atentos, revivia aqueles momentos como se ainda fosse aquela fatídica hora do almoço.

E assim foi a minha avó, capaz de gestos nobres mesmo que embrulhados em papel madeira.

3 comentários:

Anônimo disse...

Kenia

q texto envolvente,lindo,comovente.
Que venham outros causos da d. Nau. Amei!

Bjos e []s

Ivette Góis

Sweet! disse...

A gente pode amar partes da pessoa e detestar outras?

KKKKKKKKK

Anônimo disse...

Taí... tornei-me sua (dela) fã número um, ainda que não tenha tido o privilégio de conhecê-la pessoalmente.
E bote os causos pra fora, olha a responsa!
bj