quinta-feira, 26 de junho de 2008

A cor da pele






Morei cinco anos em São Paulo capital e muito me espantou saber que lá sou considerada morena. Estávamos numa brincadeira de amigo secreto e a pessoa que me tirou descreveu-me como sendo morena e de óculos. Como na turma havia outras pessoas com essas características, nem me toquei. No final, quando todas as pistas foram dadas e eu apontada como morena, de óculos e lerda, finalmente entendi. Lá, você pode ser transparente, mas se seu cabelo for castanho, você será moreno(a).

Sempre fui chamada de galega: na infância tive cabelo bem claro, mas à medida que fui crescendo, ficou castanho mais para escuro. E aqui é assim: branco é quem tem a pele clara. Com exceção de ruivo, o cabelo pode ser de qualquer cor.

O fato de ter sido chamada de morena não me incomodou de forma nenhuma, apenas me causou espanto porque durante os trinta anos que morei em Pernambuco sempre fui branquela, galega, loura. E claro que também tinha os xingamentos: branca azeda, macaxeira (mandioca ou aipim) descascada, prato de papa. E quando de saia ou shorts, a pergunta sem graça Onde você comprou essa meia branca? era recorrente.

Se isso me chateava? Claro que sim. Mas uma coisa é ser chamada de branquela e poder responder na bucha que, se eu quisesse e gostasse de apanhar sol, poderia ficar bronzeada. Isso no litoral, onde as praias estão à disposição e não estar com a cor do verão é certeza de ser olhado como gringo ou branco azedo mesmo.

Já no interior, a coisa muda de figura: ser branco é sinal de prestígio, de privilégio social, a idéia de não precisar queimar a pele em trabalhos braçais confere, mesmo que inconscientemente, a explicação para a valorização da pele branca.

Estou escrevendo isto para retomar o último comentário que deixei no post sobre o button de Obama: O bom mesmo seria saber como se sente alguém que é alvo constante de piadas: um negro, por exemplo. Será que ele leva assim tão na boa? Porque é muito fácil tirar uma gozação de letra quando se faz parte de uma minoria privilegiada...

É fácil ser chamada de branquela por alguém, seja de brincadeira ou mesmo por raiva, uma vez ou outra, mas não sistematicamente. No entanto, nunca fui hostilizada, mal tratada e discriminada por causa da cor da minha pele. Outra coisa é constatar, por exemplo, que se eu e um negro formos pedir uma informação, quase que certamente eu serei mais bem tratada por ser branca. Isso, sim, é ser vítima de preconceito.



Fotografia: Flickr

15 comentários:

Giovanni Gouveia disse...

Eu sempre tenho umas discussões intermináveis com Cris, também conhecida como "Minha Esposa", que e Paulista e refere-se a(o)s branquelas como "morena(o)", entonces tenho que ir aa etimologia pra explicar que "moreno(a)" vem de Mouro, portanto etnia, não apenas na cor do cabelo, e fica a duvida dela: "entao como voces falam, se a pessoa nao e loura, negra ou ruiva, e tem pele clara?"
A questão é porque temos que definir as pessoas pela cor da pele, do cabelo, da etnia, da religião, da cultura, da descendência...?
Em pleno século vinte e um (tambêm conhecido como Sec. XXI), por que cargas d'agua não nos referimos, apenas, as pessoas que tem um caráter ilibado ou corrompido, por que ao os referimos que fulaninho tem um coração de ouro ou e uma "alma sebosa"? (deixando claro que não pretendo ter visões maniqueístas, os gradientes entre esses tipos descritos apenas não estão digitados, mas estão ali)

A palavrinha é: cxzmazws (parece um nome vindo dos balcãs...)

Giovanni Gouveia disse...

faltou dois pontos depois de "a questão é", no post acima...


A palavrinha é gnngvte (quase uma gengivite)

Kenia Mello disse...

Também acho que as pessoas deveriam ser lembradas por suas qualidades (ou defeitos) sem que houvesse para isso uma justificativa determinista: ah, negro quando não caga na entrada, caga na saída, por exemplo.

Mas o que eu realmente quero frisar é que é muito fácil conviver com um preconceito esporádico, dito de "elite": ser branquinho, no caso deste post, do que ser realmente discriminado por ser negro, sistematicamente.

Anônimo disse...

Oh, yeah! Eu ouvia " Nora até que é uma mulata bonita, né? "
Até... isso é o queê?
Hoje em dia, com gente de cabelo rosa ou verde, como serao chamados?

Agora o que eu escuto é "Brasileira? Ah! futebol, samba, caipirinha "
E eu respondo... "pues entonces"
( hahahaha)
"Espanhola, toros, sevillana, paella" E falo assim mesmo, que nem índío! Me divirto, quer saber!?

Expedito Paz disse...

Eu sou paulistano e moro aqui em PE há quinze anos. E realmente é estranho qualquer pessoa de cabelo mais escuro lá em SP/Rio ser chamada de morena... morena pra mim é minha noiva, que tem PELE morena e cabelos pretos e cacheados:)

Se eu, branco como leite, escurecer o cabelo alguém me chama de moreno quando voltar em SP:)

No fim das contas, a raça é humana. Do que importa a cor da pele?

Giovanni Gouveia disse...

"No fim das contas, a raça é humana. Do que importa a cor da pele?"

Ora, vende-se cachorros Cocker Spainel, por exemplo, pela cor: "dourado, azul ruão, branco, preto, etc", somos mercadoria... :p

A palavrinha é: izfjk

Kenia Mello disse...

O que é o capitalismo selvagem: o sujeito vende cachorros de raça, mas perdeu a aula de Voz Passiva Sintética. :P

Renata Komuro disse...

Quando tinha meus 15, 16 anos o chique era ficar "queimada" do sol, tinha o famoso "bronzeador" ao invés do protetor, só de colocar a gente já ficava meio escurinha... para pessoas branquelas como vc era quase um motivo de preconceito, "ser branca". Hoje é ao contrário, até mesmo pela prevenção do câncer de pele; minha sobrinha quando tinha 1ano de idade já fala: protetor!! enfim... a estética é tb uma questão de parâmetros da época. Parabéns pela galeria de fotos e obrigada por me colocar, bjs! Adorei mesmo.

Bruno costa disse...

Querida Kênia,
Gostaria de saber sua opinião sobre as cotas raciais. Não deu pra perceber, afinal vc apenas tangenciou suavemente a questão do racismo.

Um beijo.
Bruno

Kenia Mello disse...

Oi, Bruno.
Aguarde que ainda vou falar sobre as cotas. :)
Beijo.

Anônimo disse...

Rpz... se cor de pele fosse referência pra alguma coisa nessa vida, Maicon Jéquiçon seria o cara mais seguido e invejado do planeta.
Pense num cara branco! rssss
bj
R.

Giovanni Gouveia disse...

"O que é o capitalismo selvagem: o sujeito vende cachorros de raça, mas perdeu a aula de Voz Passiva Sintética. :P"

só quem faz/fez Letras entende analise sintática...

a palavrinha: jfpkr

Anônimo disse...

ahahahahhaha! adorei o nome do ex-neguin que virou branco...
isso aqui tá muito bom, kenia. o humor nunca se perde!

Anônimo disse...

Poizé... afinal não é toda hora que se esbarra em quem pode se dar ao luxo de aliar excentricidade ao metal para acelerar um processo natural de despigmentação... :P
R.

ATG disse...

Sou português, com muito orgulho! Moreno de cabelo e olhos, pele em tons normais (se é que exista o tom normal), mas no verão confesso que pareço cabo-verdiano! lolol assim um misto de "café com leite" com árabe!

Pelos vistos, em São Paulo ia ser considerado preto! Sacode! Pela forma como trataram os escravos aí, um português com cor de escravo ia dar um jeitinho aos "fazendeiros" aí do pedaço! lol