sexta-feira, 6 de março de 2009

Excomunhão e hipocrisia - a moral de dupla face



E não é que dom José Cardoso Sobrinho conseguiu atrair olhares estarrecidos, não só no Brasil, mas no mundo inteiro, para si e para a ICAR? Longe de ser um comportamento exemplar, que dignifique a igreja, sua postura medieval e autoritária apenas reforça a visão da igreja católica como uma instituição falida que não soube se adaptar à realidade dos seus fiéis, os quais vivem num mundo completamente diverso daquele no qual as bases da doutrina foram fundadas.

É um equívoco falar que a igreja católica perde fiéis porque é dogmática. Está na natureza do dogma ser absoluto, conter certezas e valores inquestionáveis. Toda religião é assentada em dogmas. Acredita e segue quem quer. Mesmo não tendo conhecimento profundo de Teologia, creio que a grande crise que as religiões enfrentam se dá, justamente, pela inadequação que as pessoas experimentam quando confrontam o fundamentalismo das suas crenças com o mundo em que vivem, onde as mudanças acontecem rápido demais e, desse modo, exigem delas uma dose extra de flexibilidade. Vivemos em constante processo de adaptação, de convivência com situações novas que exigem respostas e ações imediatas. E os impasses vão se somando à medida em que os atos vão de encontro aos dogmas e preceitos religiosos.

Não acredito que seja tarefa fácil para a igreja católica conciliar-se com o mundo em que vivemos. Fazer uma releitura dos seus mandamentos à luz do novo, da solidariedade e da bondade baseada numa visão imparcial das pessoas e da realidade que nos cerca, parece-me uma tarefa impossível. Conceitos como pecado e culpa, extremamente enraizados na doutrina cristã, são a base dessa impossibilidade.

No entanto, apesar do dogmatismo ser inerente à religião, não é da sua alçada, num estado laico, intervir e tentar fazer prevalecer seus preceitos. Num estado laico como o nosso, quem decide não é a igreja. As decisões são tomadas e acatadas dentro do que reza a lei. Padre tem de rezar, sim, mas na igreja e de preferência pedindo clareza e sensibilidade para lidar com os dramas humanos.

A arquidiocese de Olinda e Recife, no entanto, tentou intervir, inclusive judicialmente, no caso da menina estuprada e grávida de gêmeos. A advogada da arquidiocese, Rilane Dueire, esteve o tempo todo pressionando o IMIP com o argumento da discordância paterna sem sequer levar em conta, por exemplo, que este pai, mesmo morando na mesma cidadezinha que a filha, não a via nem lhe dava qualquer assistência moral ou material havia dois anos.

E muito me chocou ler, na edição de ontem do Jornal do Commercio, a declaração que essa advogada deu aos meios de comunicação para justificar a posição da arquediocese. Rilane Dueire disse que Estupro é muito pequeno em relação à vida. Isso mesmo que vocês leram. O estupro é uma coisinha besta, à toa, o que importa é a vida! E ainda acrescentou que se o estupro tivesse acontecido com as suas filhas, sua atitude seria a mesma. Eu acredito piamente em Rilane Dueire. E só tenho a lamentar por suas filhas.

Ou será que o discurso da advogada da arquidiocese não é tão performático quanto o do arcebispo? Será mesmo que se tivesse uma filha estuprada e grávida a partir desse estupro, a advogada não deixaria o palavrório de lado e levaria sua filha a uma clínica destinada à clientela que pode pagar por abortos limpos e seguros sem que precise ir à Justiça e mostrar a cara para conseguir abortar com segurança num hospital de referência?

E sabem por que me dou o direito de julgar a advogada e o arcebispo dom José Cardoso Sobrinho? Porque são hipócritas! Em momento algum dom José mencionou a excomunhão do estuprador, notaram? A menina, claro, por ser de menor como ele afirmou, não mereceu a excomunhão, mas os médicos e a mãe, sim. Mas e o padrasto pedófilo? Por que ele não foi sequer mencionado? Simples. Porque pedofilia é um tema espinhoso dentro da igreja católica, tratado à meia voz e solucionado sem alarde com transferências e algumas penitências. Porque se fosse excomungar o padrasto por pedofilia, estaria forçando a igreja católica a assumir seus crimes perante a sociedade. Excomungar o padrasto pedófilo seria dar um tiro no próprio pé e dom José Cardoso Sobrinho pode ser muita coisa, mas besta ele não é.

21 comentários:

Creusa Santos disse...

Kenia, como falei em meu blog, essa criatura veio direto da época da inquisição para os nossos dias. É uma lástima! Sem maiores comentários. Bjos.

Anônimo disse...

pois é a velha estória do telhado de vidro... E realmente,Kenia,do padrasto q foi quem praticou o crime,o arcebispo nem falou.Dele a Justiça é q tem q cuidar,né?Como cuida e pune,de fato,os padres pedófilos,pq a igreja mesmo não os denuncia. Mas essa é uma moral muito capenga mesmo!

Bjos e {]s

Ivette Góis

Anônimo disse...

Também não tenho formação teológica embora seja uma eterna curiosa acerca das Escrituras, por isso gostaria de acrescentar que os tais dogmas foram "mexidos" pelo próprio Jesus em seu ministério terreno em inúmeras situações, como por exemplo, quando Ele se dirigiu à mulher condenada pelo dogma judaico, considerada impura e grega (e ainda por cima mulher!)percebendo que ela não permitiu que o legalismo lhe roubasse o desejo de ter sua filha curada. (cf Mateus 15:21.28)
Na tentativa de controlar a Deus, os círculos religiosos com seus dogmas e legalismos findam por colocar a viseira da intolerância e ironicamente não conseguem enxergar algo tão simples: que Deus está acima de todos os dogmas.
Quando Maria, ainda garota, disse "que se cumpra em mim conforme a sua vontade" agiu somente pela fé sem nem imaginar nas devastadoras implicações sócio-religiosas que iriam surgir onde poucos enxergavam que o legalismo se contrapunha à crença em um Deus que estava acima de todas as normas.
Como diz um autor conhecido:"o triunfo da fé sobre o dogmatismo é muito claro na história de Maria, mãe de Jesus Cristo".
Muito boa sua matéria!
Lúcida e sem nenhum cunho religioso, e acima de tudo de grande riqueza informativa.
bj
R.

Anônimo disse...

Uma mulher q diz q o estupro não é nada é pq nunca passou por uma experiência dessas. E eu não sei o q é pior para nossa imagem: as mulheres frutas q se transforma em meros bundas para serem famosas a qq custou, ou uma advogada dessas q não tem noção da violência e do q um estupro causa.

Anônimo disse...

se transformam

Anônimo disse...

vários outros casos noticiados recentemente é de deixar a gente besta, mas vindo da igreja católica não é novidade. nenhuma palavra de amor, de caridade, nada! só condenação, condenação e crítica. oh, e outro post excelente esse seu, de novo :o)

Anônimo disse...

ops. acho que a primeira parte do comentário que fiz se perdeu. quis dizer a inversão de valores neste e em vários outros casos noticiados recentemente é de deixar a gente besta, mas vindo da igreja católica não é novidade. nenhuma palavra de amor, de caridade, nada! só condenação, condenação e crítica. oh, e outro post excelente esse seu, de novo :o)

anderson.head disse...

nossa esse assunto está me aproximando cada vez mais do seu blog. sou um cara ateu. que respeita as opiniões religiosas, mas suas palavras tiram cada letra da minha boca. perfeita sua análise sobre a hipocrisia existente.

bom, vou ficar por aqui mesmo.

abraço.

Lívia de Mello disse...

Gente, o estuprador não será excomungado também?? Ele não atentou contra uma vida que mal começava? Não houve morte física da menina de apenas nove anos, mas quantas coisas ele deve ter matado dentro daquela cabecinha e coraçãozinho. Ah, esqueci, ele só estuprou, não é. Será que esse padre e essa advogada não têm medo da verdadeira Justiça Divina? O que eles andam falando por aí sim, é passível de castigo. Santa paciência!! DEUS, perdoe-lhes, pois eles sabem o que dizem e mesmo assim dizem.

Lúcia Soares disse...

Estarrecimento. Não sei usar outra expressão. Sou católica, mas não acho que a Igreja seja verdadeira. Cresci e vivi até a pouco tampo atrás, com medos e imposicões que só o tempo conseguiu acabar. A hipocrisia corre solta, voce está certa. O que será dessa menina? Se Deus não atuar em sua vida, será uma pobre coitada. Não só sou a favor desse aborto como o sou da pena de morte, incontestável, pra esse estuprador. Sei bem que não se atira a primeira pedra.Mas esse homem não merece nada. Aliás, melhor deixá-lo vivo. E pedir a justiça divina. Porque a do homem...

Anônimo disse...

Me excomunga, Dom Dedé!!!!

Kenia Mello disse...

Repórter, me avise se tiver open bar no inferno, viu? Hehehe

Anônimo disse...

Não bastasse Mendes, o representante divino nas instâncias jurídicas, eis que surge mais um com linha direta com o Todo-Poderoso...

Embora ambos, na verdade, possuam pecados que fariam D Helder descer à terra rubro de vergonha e ira. E o mesmo fraco por holofotes e microfones.

João Eurico disse...

Concordo que é um equívoco achar que a ICAR perde fiéis por causa dos dogmas. É um equívoco duplo: a Igreja Católica não perde fiéis e quando os perde não é porque seus dogmas em si mas sim porque eles são substituidos por outros, de outras religiões ainda mais obtusos.
Aliás, absurdo e falta de lógica rimam com qualqer religião não só com a Católica.
O problema da Igreja Católica seria o mesmo causado por qualquer religião que alcançasse esse poder enorme que a ICAR tem, portanto, aferindo um pouco a mira, devemos ter essa postura crítica em relação a religiosidade institucionalizada em geral e não apenas a religião com matriz em Roma.
O filme "Religulous" do Bill Maher, explora esse assunto com bom humor. Crimes são cometidos emnome da religião, crimes são acobertados em nome da religião e crimes são "priorizados" em nome da religiào. O espetáculo bizarro de cinismo, duplos valores, falta de princípios éticos e puras sandices prolatadas é apenas o fenômeno do choque entre a vida real e o delírio que todas as religiões induzem. Quando um religioso dinossáurico como Dom José Cardoso Sobrinho usa como argumento que as leis de um deus do imaginário coletivo em geral e da ICAR em particular vale mais que a lei dos homens, assistimos a um espetáculo de pré-potência típico da Igreja medieval. Isso é compatível com Dom José Cardoso Sobrinho e a rigor, faz parte do "negócio" dele. Ele tem que insistir que sua igreja é a mais poderosa a ponto de ser a única representante do suposto deus. O que me assusta é quando uma pessoa supostamente esclarecida como uma advogada, em pleno século XXVI fala que "estupro é um crime menor". A síndrome paulomalufiana induzida pela fé católica psicopática abobática romana se instalou numa pessoa que teve chance de se libertar dessa doença através da educação e acesso a informação de valor. Mesmo assim, a doença está lá. E aí vemos que quão forte é poder de alienação da religiões.
Discordo quando diz que a ICAR não se ajusta aos tempos. Ela se ajusta sim. Talvez não tào rápido como outras religiões mais modernas como a dos Mórmons, fundada no fim do século XIX. Inicialmente os Mórmons permitiam a poligamia e acreditavam que os negros eram dessa cor para pagar seus pecados. Adaptando-se ao ambiente social, aboliram (de forma velada) a poligamia e hoje aceitam negros entre seus fiéis (afinal, não pode abrir mão de um mercado que em alguns países representa mais de 50% do público alvo).
Mas o exemplo de mais veloz adaptação ao ambiente social é a Cientologia, do John Travolta e Tom Cruise, entre outras estrelas.

Lucard disse...

É curioso como ele fala em respeito à vida, esquecendo que na época da inquisição a igreja (minúsculo mesmo) matava em nome de deus (idem, pois o deus dela não o nosso Deus). Cabra safadooooooo. E até o vaticano (ibdem) apoiou, já era de se esperar. Vão pra PQP, filhos de uma Pííííííí!!

Tô retado hoje.

João Eurico disse...

Detalhe importante. Excomungar alguém significa ex-comunicar, ou seja, tornar a pessoa nào comunicável. A rigor, quem é católico não poderá mais falar com os excomungados sob pena de serem excomungados também. Deu para perceber que a punição é absolutamente inócua pois as pessoas envolvidas no episódio da interrupção da gravidez tem princípios fortes e não vão se abalar com essa punição bizonha da ICAR. O que demonstra o meu ponto: um indivíduo pode ter sua vida guiada por princípios éticos sem que tenha que temer um deus imaginário muito menos seguir leis absurdas criadas e feitas observadas por homens que nunca experimentaram a vida real.

Kenia Mello disse...

João Eurico, calhou de a ICAR ser a envolvida no caso da menina, mas todas as observações que fiz são válidas para as demais religiões. O estado é laico e priu.

Quanto à excomunhão, até antes de 1983, realmente havia dois tipos de excomunhão: uma, a mais rígida, incluía o banimento da comunidade católica: um católico não poderia falar com um excomungado, por exemplo. A outra era mais leve, inclusive permitia ao excomungado ir à missa, só não era permitido que ele comungasse e recebesse os sacramentos (batismo, crisma, casamento religioso e extra-unção. E é assim que as pessoas excomungadas são punidas atualmente.

Inclusive, em entrevista, dom Dedé disse que os médicos e a mãe deveriam ir à missa e, caso se arrependessem, a excomunhão seria anulada. Portanto, as coisas abrandaram, meu caro. :P

Reporter Bacurau disse...

Existe sim open bar no inferno. O problema é que a cerveja e chopp são quentes e não há gelo pra botar no uisque... hehehe

Em compensação, a coisa lá é quente!

João Eurico disse...

Soube de fonte fidedigna que o médico que fez a operação é ateu desde criancinha, apesar de ser educado na tradição católica. Em suma, "he couldn't care less". Ele num tá nem aí.

Kenia Mello disse...

JE, não sei se é o mesmo médico, mas tem um da equipe que já foi excomungado uma vez justamente por seu trabalho com meninas vítimas de estupros que resultaram em gravidezes. E aí? Duplamente excomungado vira desexcomungado? Ou só reforça a entrada do cara no inferno? Hehehe
Isso já virou piada! :P

Marco Yamamoto disse...

Ontem eu fiquei estarrecido quando escutei uma entrevista dele. Ele afirmava que o aborto era motivo de excomunhão, mas o estupro não...

Vai entender a lógica deste doido.