segunda-feira, 21 de março de 2011

Das coisas boas daqui



Mudar de país é algo complicado, especialmente quando a nova língua é difícil como o holandês -- se bem que qualquer pernambucano, depois de tomar uns gorós, fala o idioma fluentemente, corre a lenda nas ladeiras olindenses --, mas a verdade é que a língua requer estudo, muita prática, altas doses de cara de pau na hora de falar (no meu caso, que sou perfeccionista e, consequentemente, termino me cobrando em excesso em termos de correção) e paciência, muita paciência...

Em função da dificuldade com o idioma, muitos outros entraves surgem e todo dia é uma batalha a ser travada, novos códigos culturais a serem compreendidos e, muitas vezes, assimilados em nome de uma integração satisfatória. Nem tudo são flores como pensam aqueles para quem o simples fato de morar nas Zoropa é o máximo. Vão vendo...

Apesar das dificuldades, claro que existem coisas legais: são elas que nos fazem ver o outro lado, a compensação para o desgaste e o desamparo que muitas vezes nos acometem. Sei que não somos os imigrantes padrão. Saímos do Brasil deixando para trás uma vida estruturada, nosso apartamento, família, amigos e as nossas muitas comodidades de classe média. Encaramos este desafio ambos com mais de 40 anos, e com uma criança de 7, as coisas não são simples. Parto diário, às vezes de fórceps, mas falo sobre isso depois.

Hoje, a exemplo do fim de semana, o dia está lindo, 8°C, céu claro, as flores já nascendo, a primavera chegando. A cidade e as pessoas sorriem, o sol tem esse poder por aqui: abrir caminho em meio a sisudez. E esse fim de semana foi especial por um motivo: alargou a minha percepção acerca de uma desconfiança, uma cisma minha, que se mostrou correta.

No último novembro, fiz um post sobre o dia de Sinterklaas e dentre os comentários, um meio irônico dizia que a comemoração era "animada". A minha resposta de então tem a ver como essa confirmação sobre a qual falo acima.

Vamos lá. Ontem, 13°C, eu e Paul decidimos que não iríamos muito longe, afinal, passamos o sábado batendo perna o dia inteiro:



Além de fazermos compras, fomos para um parque perto da divisa de Diemen e Amsterdam e depois, com nossa cunhada e sobrinhos, encaramos mais uma sessão de criancinhas atacadas no Amstelpark, em Amsterdam (foto acima). Então, no domingo queríamos mais era descansar. Mas quem disse que uma criatura de 7 anos quer saber disso? E aí está o ponto.

Atividades de Mariana no domingo: uma hora de Wii, estudo de matemática (ela adora), pintura com tinta guache (arte em toda parte da casa, céus...), visita ao canal para alimentar patos, pombos, galinhas d'água, gaivotas e quem mais chegar, ida ao kinder boerderij (fazendinha para crianças, que fica bem perto daqui de casa), jogo de amarelinha com o pai (que pulou pela primeira vez) e patinação no estacionamento do Sporthal em frente do nosso apartamento. Tudo isso a custo zero, pertinho, seguro, bem infância mesmo. Coisa que eu, com quase 44 anos, tive na minha infância no Brasil, mas ela, com certeza não teria. E deixo de lado a questão da violência. O meu insight é com relação à obsessão consumista que se vive hoje no Brasil: criança só se diverte em shopping, com coisas muito sofisticadas (e caras), tudo isso reforçado por uma publicidade irresponsável, que vai incutindo, desde cedo, a coisa do consumo desenfreado.

Nossa filha também viveu um pouco disso no Brasil, claro, mesmo com o nosso esforço em mostrar que as coisas não precisavam ser daquele jeito. Aqui, felizmente, podemos adequar nosso modo de pensar ao que acontece ao nosso redor. Claro que aqui tem consumo, as crianças e adolescentes gostam praticamente das mesmas coisas que no resto do mundo, mas não é essa onda de ter tão imperiosa. Fico feliz que seja assim.


6 comentários:

Paola disse...

Kenia,
O duro é o início da adaptação, que pode ser mais longa que o esperado!
Estou chocada com a postura consumista aqui no Brasil, a propaganda irresponsável o abuso nos estímulos e pasme o aval dos pais, afinal que paga a conta são os adultos!
Além da explosão demográfica, gente ela aconteceu no quarteirão da minha casa! Estou sufocada com tanta gente!
Bj
PAola

Kenia Mello disse...

Paola, mesmo já conhecendo o país, eu sabia que ia ser difícil, mas no dia a dia a coisa complica um pouco além, especialmente porque envolve também a adaptação de Mariana... Sofro por antecipação com situações que ela mesma tira de letras, mas às vezes não... Mas tudo caminha bem no cômputo geral. E falar essa língua razoavelmente bem vai me ajudar, com certeza. :)
Beijos.

KS Nei disse...

Yeah.

adaptaçao dura um ano, Kenia. Depois o ruim é se adaptar o Brasil.

Anônimo disse...

Olá Kenia!
Eis o seu texto tinindo, me arrancando uma gargalhada logo no início. Lendo posts antigos seus, já compreendi que está em você a coragem de trocar zonas de conforto por mundos desconhecidos. E, se tudo vai bem no cômputo geral, é que a Mariana deve ter também essa "inteligência" que doma as dificuldades. Bjs. Brenda.

Kenia Mello disse...

Nei, um ano eu acredito que seja mais a adaptação física, a coisa de se acostumar com clima, comida etc. diferentes. A integração mesmo acho que leva mais um pouquinho, né? Ah, sobre a readaptação... Deixa pra lá. ;)
Beijos.

Brenda, olhe, já fui bem mais corajosa, hoje em dia tudo pesa mais e a gente tem de segurar a onda por causa da criaturinha... Coisa de véio mesmo, sabe? :D
Beijos.

Anônimo disse...

não,acoisa aqui está demais,as crianças pulam etapas e os pais não parecem ligar muito pra isso,querem compensar a falta de qualidade da convivência comprando os filhos...
Aproveitem o sol e façam as coisas maravilhosas q podem ser feitas num país como a Holanda!

Bjos e []s

Ivette Góis