E não é que dom José Cardoso Sobrinho conseguiu atrair olhares estarrecidos, não só no Brasil, mas no mundo inteiro, para si e para a ICAR? Longe de ser um comportamento exemplar, que dignifique a igreja, sua postura medieval e autoritária apenas reforça a visão da igreja católica como uma instituição falida que não soube se adaptar à realidade dos seus fiéis, os quais vivem num mundo completamente diverso daquele no qual as bases da doutrina foram fundadas.
É um equívoco falar que a igreja católica perde fiéis porque é dogmática. Está na natureza do dogma ser absoluto, conter certezas e valores inquestionáveis. Toda religião é assentada em dogmas. Acredita e segue quem quer. Mesmo não tendo conhecimento profundo de Teologia, creio que a grande crise que as religiões enfrentam se dá, justamente, pela inadequação que as pessoas experimentam quando confrontam o fundamentalismo das suas crenças com o mundo em que vivem, onde as mudanças acontecem rápido demais e, desse modo, exigem delas uma dose extra de flexibilidade. Vivemos em constante processo de adaptação, de convivência com situações novas que exigem respostas e ações imediatas. E os impasses vão se somando à medida em que os atos vão de encontro aos dogmas e preceitos religiosos.
Não acredito que seja tarefa fácil para a igreja católica conciliar-se com o mundo em que vivemos. Fazer uma releitura dos seus mandamentos à luz do novo, da solidariedade e da bondade baseada numa visão imparcial das pessoas e da realidade que nos cerca, parece-me uma tarefa impossível. Conceitos como pecado e culpa, extremamente enraizados na doutrina cristã, são a base dessa impossibilidade.
No entanto, apesar do dogmatismo ser inerente à religião, não é da sua alçada, num estado laico, intervir e tentar fazer prevalecer seus preceitos. Num estado laico como o nosso, quem decide não é a igreja. As decisões são tomadas e acatadas dentro do que
reza a lei. Padre tem de rezar, sim, mas na igreja e de preferência pedindo clareza e sensibilidade para lidar com os dramas humanos.
A arquidiocese de Olinda e Recife, no entanto, tentou intervir, inclusive judicialmente, no caso da menina estuprada e grávida de gêmeos. A advogada da arquidiocese, Rilane Dueire, esteve o tempo todo pressionando o IMIP com o argumento da discordância paterna sem sequer levar em conta, por exemplo, que este pai, mesmo morando na mesma cidadezinha que a filha, não a via nem lhe dava qualquer assistência moral ou material havia dois anos.
E muito me chocou ler, na edição de ontem do
Jornal do Commercio, a declaração que essa advogada deu aos meios de comunicação para justificar a posição da arquediocese. Rilane Dueire disse que
Estupro é muito pequeno em relação à vida. Isso mesmo que vocês leram. O estupro é uma coisinha besta, à toa, o que importa é a vida! E ainda acrescentou que se o estupro tivesse acontecido com as suas filhas, sua atitude seria a mesma. Eu acredito piamente em Rilane Dueire. E só tenho a lamentar por suas filhas.
Ou será que o discurso da advogada da arquidiocese não é tão performático quanto o do arcebispo? Será mesmo que se tivesse uma filha estuprada e grávida a partir desse estupro, a advogada não deixaria o palavrório de lado e levaria sua filha a uma clínica destinada à clientela que pode pagar por abortos limpos e seguros sem que precise ir à Justiça e mostrar a cara para conseguir abortar com segurança num hospital de referência?
E sabem por que me dou o direito de julgar a advogada e o arcebispo dom José Cardoso Sobrinho? Porque são hipócritas! Em momento algum dom José mencionou a excomunhão do estuprador, notaram? A menina, claro, por ser
de menor como ele afirmou, não mereceu a excomunhão, mas os médicos e a mãe, sim. Mas e o padrasto pedófilo? Por que ele não foi sequer mencionado? Simples. Porque pedofilia é um tema espinhoso dentro da igreja católica, tratado à meia voz e solucionado sem alarde com transferências e algumas penitências. Porque se fosse excomungar o padrasto por pedofilia, estaria forçando a igreja católica a assumir seus crimes perante a sociedade. Excomungar o padrasto pedófilo seria dar um tiro no próprio pé e dom José Cardoso Sobrinho pode ser muita coisa, mas besta ele não é.